Proêmio
Apresentação do Opúsculo: A Necessidade e o Método
Ouso agora cingir-me da tarefa de compor este breve opúsculo, não por julgar-me digno de desvelar mistérios tão altos, mas por reconhecer a premente necessidade de guiar as almas que, tal como a minha, buscam a Verdade por entre as névoas do século. Trataremos do Santo Rosário, oração que, por sua aparente simplicidade, é muitas vezes relegada ao rol das devoções menores, quando, em verdade, constitui, como nos ensina o Papa São João Paulo II, um verdadeiro "compêndio do Evangelho".
Mister se faz, pois, resgatá-lo da poeira da rotina e do desprezo dos soberbos. Muitos, com efeito, acusam-no de ser mera e vã repetição, fastidiosa para a mente e oca para o espírito. Que engano! Aquele que ama não se cansa de repetir à amada o seu amor; outrossim, a alma que ama a Deus e à Sua Mãe Santíssima não se enfada de saudá-la com as palavras do Anjo, renovando a cada Ave-Maria o seu assombro diante do mistério da Encarnação. O Rosário não é repetição, mas contemplação; não é balbucio, mas aprofundamento.
Neste guia, portanto, não te oferecerei apenas um método, mas um caminho. Iniciaremos por assentar o nosso labor sobre a rocha firme do Magistério, transcrevendo a Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae, que nos servirá de norte e fundamento.
Depois, lançar-nos-emos na meditação de cada um dos mistérios. E aqui, caro amigo do saber, peço-te a máxima atenção. Não te darei apenas um resumo dos fatos evangélicos, mas, haurindo das fontes mestras, buscarei oferecer-te matéria para uma contemplação profunda. O fito é que, ao meditar cada passo da vida de Nosso Senhor, o faças pelos olhos de Maria, sentindo em teu coração um eco de Suas virtudes e de Seu amor. Verás como, de mistério em mistério, a alma se vai conformando a Cristo.
Por fim, legar-te-ei algumas dicas práticas e sugestões de leitura, como a Catena Áurea de São Tomás, para que possas, por ti mesmo, continuar a aprofundar-te nestas verdades.
Toma, pois, este artigo não como um livro a ser lido, mas como um manual a ser vivido. Pega em teu Rosário, arma poderosa contra as insídias do demônio e escada para o Céu, e vem comigo. Que a Virgem Santíssima, a quem este trabalho é filialmente consagrado, nos guie e nos ensine a orar.
A Palavra do Magistério
Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae de Sua Santidade, o Papa São João Paulo II
1. O Rosário da Virgem Maria (Rosarium Virginis Mariae), que ao sopro do Espírito de Deus se foi formando gradualmente no segundo Milénio, é oração amada por numerosos Santos e estimulada pelo Magistério. Na sua simplicidade e profundidade, permanece, mesmo no terceiro Milénio recém iniciado, uma oração de grande significado e destinada a produzir frutos de santidade. Ela enquadra-se perfeitamente no caminho espiritual de um cristianismo que, passados dois mil anos, nada perdeu do seu frescor original, e sente-se impulsionado pelo Espírito de Deus a « fazer-se ao largo » (duc in altum!) para reafirmar, melhor « gritar » Cristo ao mundo como Senhor e Salvador, como « caminho, verdade e vida » (Jo 14, 6), como « o fim da história humana, o ponto para onde tendem os desejos da história e da civilização ».1
O Rosário, de facto, ainda que caracterizado pela sua fisionomia mariana, no seu âmago é oração cristológica. Na sobriedade dos seus elementos, concentra a profundidade de toda a mensagem evangélica, da qual é quase um compêndio.2 Nele ecoa a oração de Maria, o seu perene Magnificat pela obra da Encarnação redentora iniciada no seu ventre virginal. Com ele, o povo cristão frequenta a escola de Maria, para deixar-se introduzir na contemplação da beleza do rosto de Cristo e na experiência da profundidade do seu amor. Mediante o Rosário, o crente alcança a graça em abundância, como se a recebesse das mesmas mãos da Mãe do Redentor.
Os Romanos Pontífices e o Rosário
2. Muitos dos meus Predecessores atribuíram grande importância a esta oração. Merecimento particular teve, a propósito, Leão XIII que, no dia 1 de Setembro de 1883, promulgava a Encíclica Supremi apostolatus officio,3 alto pronunciamento com o qual inaugurava numerosas outras declarações sobre esta oração, indicando-a como instrumento espiritual eficaz contra os males da sociedade. Entre os Papas mais recentes, já na época conciliar, que se distinguiram na promoção do Rosário, desejo recordar o Beato João XXIII4 e sobretudo Paulo VI que, na Exortação apostólica Marialis cultus, destacou, em harmonia com a inspiração do Concílio Vaticano II, o carácter evangélico do Rosário e a sua orientação cristológica.
Eu mesmo não descurei ocasião para exortar à frequente recitação do Rosário. Desde a minha juventude, esta oração teve um lugar importante na minha vida espiritual. Trouxe-mo à memória a minha recente viagem à Polónia, sobretudo a visita ao Santuário de Kalwaria. O Rosário acompanhou-me nos momentos de alegria e nas provações. A ele confiei tantas preocupações; nele encontrei sempre conforto. Vinte e quatro anos atrás, no dia 29 de Outubro de 1978, apenas duas semanas depois da minha eleição para a Sé de Pedro, quase numa confidência, assim me exprimia: « O Rosário é a minha oração predilecta. Oração maravilhosa! Maravilhosa na simplicidade e na profundidade. [...] Pode dizer-se que o Rosário é, em certo modo, um comentário-prece do último capítulo da Constituição Lumen gentium do Vaticano II, capítulo que trata da admirável presença da Mãe de Deus no mistério de Cristo e da Igreja. De facto, sobre o fundo das palavras da “Avé Maria” passam diante dos olhos da alma os principais episódios da vida de Jesus Cristo. Eles dispõem-se no conjunto dos mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos, e põem-nos em comunhão viva com Jesus – poderíamos dizer– através do Coração de Sua Mãe. Ao mesmo tempo o nosso coração pode incluir nestas dezenas do Rosário todos os factos que formam a vida do indivíduo, da família, da nação, da Igreja e da humanidade. Acontecimentos pessoais e do próximo, e de modo particular daqueles que nos são mais familiares e que mais estimamos. Assim a simples oração do Rosário marca o ritmo da vida humana ».5
Com estas palavras, meus caros Irmãos e Irmãs, inseria no ritmo quotidiano do Rosário o meu primeiro ano de Pontificado. Hoje, no início do vigésimo quinto ano de serviço como Sucessor de Pedro, desejo fazer o mesmo. Quantas graças recebi nestes anos da Virgem Santa através do Rosário: Magnificat anima mea Dominum! Desejo elevar ao Senhor o meu agradecimento com as palavras da sua Mãe Santíssima, sob cuja protecção coloquei o meu ministério petrino: Totus tuus!
Outubro 2002 - Outubro 2003: Ano do Rosário
3. Por isso, na esteira da reflexão oferecida na Carta apostólica Novo millennio ineunte na qual convidei o Povo de Deus, após a experiência jubilar, a « partir de Cristo »,6 senti a necessidade de desenvolver uma reflexão sobre o Rosário, uma espécie de coroação mariana da referida Carta apostólica, para exortar à contemplação do rosto de Cristo na companhia e na escola de sua Mãe Santíssima. Com efeito, recitar o Rosário nada mais é senão contemplar com Maria o rosto de Cristo. Para dar maior relevo a este convite, e tomando como ocasião a próxima efeméride dos cento e vinte anos da mencionada Encíclica de Leão XIII, desejo que esta oração seja especialmente proposta e valorizada nas várias comunidades cristãs durante o ano. Proclamo, portanto, o período que vai de Outubro deste ano até Outubro de 2003 Ano do Rosário.
Deixo esta indicação pastoral à iniciativa das diversas comunidades eclesiais. Com ela não pretendo dificultar, mas antes integrar e consolidar os planos pastorais das Igrejas particulares. Espero que ela seja acolhida com generosidade e solicitude. O Rosário, quando descoberto no seu pleno significado, conduz ao âmago da vida cristã, oferecendo uma ordinária e fecunda oportunidade espiritual e pedagógica para a contemplação pessoal, a formação do Povo de Deus e a nova evangelização. Apraz-me reafirmá-lo, também, na recordação feliz de outro aniversário: os 40 anos do início do Concílio Ecuménico Vaticano II (11 de Outubro de 1962), a « grande graça » predisposta pelo Espírito de Deus para a Igreja do nosso tempo.7
Objecções ao Rosário
4. A oportunidade desta iniciativa emerge de distintas considerações. A primeira refere-se à urgência de fazer frente a uma certa crise desta oração, correndo o risco, no actual contexto histórico e teológico, de ser erradamente debilitada no seu valor e, por conseguinte, escassamente proposta às novas gerações. Pensam alguns que a centralidade da Liturgia, justamente ressaltada pelo Concílio Ecuménico Vaticano II, tenha como necessária consequência uma diminuição da importância do Rosário. Na verdade, como precisou Paulo VI, esta oração não só não se opõe à Liturgia, mas serve-lhe de apoio, visto que introduz nela e dá-lhe continuidade, permitindo vivê-la com plena participação interior e recolhendo seus frutos na vida quotidiana.
Pode haver também quem tema que o Rosário possa revelar-se pouco ecuménico pelo seu carácter marcadamente mariano. Na verdade, situa-se no mais claro horizonte de um culto à Mãe de Deus tal como o Concílio delineou: um culto orientado ao centro cristológico da fé cristã, de forma que, « honrando a Mãe, melhor se conheça, ame e glorifique o Filho ».8 Se adequadamente compreendido, o Rosário é certamente uma ajuda, não um obstáculo, para o ecumenismo!
Caminho de contemplação
5. Porém, o motivo mais importante para propor com insistência a prática do Rosário reside no facto de este constituir um meio validíssimo para favorecer entre os crentes aquele compromisso de contemplação do mistério cristão que propus, na Carta apostólica Novo millennio ineunte, como verdadeira e própria pedagogia da santidade: « Há necessidade dum cristianismo que se destaque principalmente pela arte da oração ».9 Enquanto que na cultura contemporânea, mesmo entre tantas contradições, emerge uma nova exigência de espiritualidade, solicitada inclusive pela influência de outras religiões, é extremamente urgente que as nossas comunidades cristãs se tornem « autênticas escolas de oração ».10
O Rosário situa-se na melhor e mais garantida tradição da contemplação cristã. Desenvolvido no Ocidente, é oração tipicamente meditativa e corresponde, de certo modo, à « oração do coração » ou « oração de Jesus » germinada no húmus do Oriente cristão.
Oração pela paz e pela família
6. A dar maior actualidade ao relançamento do Rosário temos algumas circunstâncias históricas. A primeira delas é a urgência de invocar de Deus o dom da paz. O Rosário foi, por diversas vezes, proposto pelos meus Predecessores e mesmo por mim como oração pela paz. No início de um Milénio, que começou com as cenas assustadoras do atentado de 11 de Setembro de 2001 e que regista, cada dia, em tantas partes do mundo novas situações de sangue e violência, descobrir novamente o Rosário significa mergulhar na contemplação do mistério d’Aquele que « é a nossa paz », tendo feito « de dois povos um só, destruindo o muro da inimizade que os separava » (Ef 2, 14). Portanto não se pode recitar o Rosário sem sentir-se chamado a um preciso compromisso de serviço à paz, especialmente na terra de Jesus, tão atormentada ainda, e tão querida ao coração cristão.
Análoga urgência de empenho e de oração surge de outra realidade crítica da nossa época, a da família, célula da sociedade, cada vez mais ameaçada por forças desagregadoras a nível ideológico e prático, que fazem temer pelo futuro desta instituição fundamental e imprescindível e, consequentemente, pela sorte da sociedade inteira. O relançamento do Rosário nas famílias cristãs, no âmbito de uma pastoral mais ampla da família, propõe-se como ajuda eficaz para conter os efeitos devastantes desta crise da nossa época.
« Eis a tua mãe! » (Jo 19, 27)
7. Numerosos sinais demonstram quanto a Virgem Maria queira, também hoje, precisamente através desta oração, exercer aquele cuidado maternal ao qual o Redentor prestes a morrer confiou, na pessoa do discípulo predilecto, todos os filhos da Igreja: « Mulher, eis aí o teu filho » (Jo19, 26). São conhecidas, ao longo dos séculos XIX e XX, várias ocasiões, nas quais a Mãe de Cristo fez, de algum modo, sentir a sua presença e a sua voz para exortar o Povo de Deus a esta forma de oração contemplativa. Em particular desejo lembrar, pela incisiva influência que conservam na vida dos cristãos e pelo reconhecimento recebido da Igreja, as aparições de Lourdes e de Fátima,11 cujos respectivos Santuários são meta de numerosos peregrinos, em busca de conforto e de esperança.
Na senda das testemunhas
8. Seria impossível citar a multidão sem conta de Santos que encontraram no Rosário um autêntico caminho de santificação. Bastará recordar S. Luís Maria Grignion de Montfort, autor de uma preciosa obra sobre o Rosário12; e, em nossos dias, Padre Pio de Pietrelcina, que recentemente tive a alegria de canonizar. Além disso um carisma especial, como verdadeiro apóstolo do Rosário, teve o Beato Bártolo Longo. O seu caminho de santidade assenta numa inspiração ouvida no fundo do coração: « Quem difunde o Rosário, salva-se! ».13 Baseado nisto, ele sentiu-se chamado a construir em Pompeia um templo dedicado à Virgem do Santo Rosário no cenário dos restos da antiga cidade, ainda pouco tocada pelo anúncio cristão quando foi sepultada em 79 pela erupção do Vesúvio e surgida das suas cinzas séculos depois como testemunho das luzes e sombras da civilização clássica.
Com toda a sua obra e, de modo particular, através dos « Quinze Sábados », Bártolo Longo desenvolveu a alma cristológica e contemplativa do Rosário, encontrando particular estímulo e apoio em Leão XIII, o “Papa do Rosário”.
CAPÍTULO I
CONTEMPLAR CRISTO COM MARIA
Um rosto resplandecente como o sol
9. « Transfigurou-Se diante deles: o seu rosto resplandeceu como o sol » (Mt 17, 2). A cena evangélica da transfiguração de Cristo, na qual os três apóstolos Pedro, Tiago e João aparecem como que extasiados pela beleza do Redentor, pode ser tomada como ícone da contemplação cristã. Fixar os olhos no rosto de Cristo, reconhecer o seu mistério no caminho ordinário e doloroso da sua humanidade, até perceber o brilho divino definitivamente manifestado no Ressuscitado glorificado à direita do Pai, é a tarefa de cada discípulo de Cristo; é por conseguinte também a nossa tarefa. Contemplando este rosto, dispomo-nos a acolher o mistério da vida trinitária, para experimentar sempre de novo o amor do Pai e gozar da alegria do Espírito Santo. Realiza-se assim também para nós a palavra de S. Paulo: « Reflectindo a glória do Senhor, como um espelho, somos transformados de glória em glória, nessa mesma imagem, sempre mais resplandecente, pela acção do Espírito do Senhor » (2Cor 3, 18).
Maria, modelo de contemplação
10. A contemplação de Cristo tem em Maria o seu modelo insuperável. O rosto do Filho pertence-lhe sob um título especial. Foi no seu ventre que Se plasmou, recebendo d’Ela também uma semelhança humana que evoca uma intimidade espiritual certamente ainda maior. À contemplação do rosto de Cristo, ninguém se dedicou com a mesma assiduidade de Maria. Os olhos do seu coração concentram-se de algum modo sobre Ele já na Anunciação, quando O concebe por obra do Espírito Santo; nos meses seguintes, começa a sentir sua presença e a pressagiar os contornos. Quando finalmente O dá à luz em Belém, também os seus olhos de carne podem fixar-se com ternura no rosto do Filho, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura (cf. Lc 2, 7).
Desde então o seu olhar, cheio sempre de reverente estupor, não se separará mais d’Ele. Algumas vezes será um olhar interrogativo, como no episódio da perda no templo: « Filho, porque nos fizeste isto? » (Lc 2, 48); em todo o caso será um olhar penetrante, capaz de ler no íntimo de Jesus, a ponto de perceber os seus sentimentos escondidos e adivinhar suas decisões, como em Caná (cf. Jo 2, 5); outras vezes, será um olhar doloroso, sobretudo aos pés da cruz, onde haverá ainda, de certa forma, o olhar da parturiente, pois Maria não se limitará a compartilhar a paixão e a morte do Unigénito, mas acolherá o novo filho a Ela entregue na pessoa do discípulo predilecto (cf. Jo 19, 26-27); na manhã da Páscoa, será um olhar radioso pela alegria da ressurreição e, enfim, um olhar ardoroso pela efusão do Espírito no dia de Pentecostes (cf. Act 1,14).
As recordações de Maria
11. Maria vive com os olhos fixos em Cristo e guarda cada palavra sua: « Conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração » (Lc 2, 19; cf. 2, 51). As recordações de Jesus, estampadas na sua alma, acompanharam-na em cada circunstância, levando-a a percorrer novamente com o pensamento os vários momentos da sua vida junto com o Filho. Foram estas recordações que constituíram, de certo modo, o “rosário” que Ela mesma recitou constantemente nos dias da sua vida terrena.
E mesmo agora, entre os cânticos de alegria da Jerusalém celestial, os motivos da sua gratidão e do seu louvor permanecem imutáveis. São eles que inspiram o seu carinho materno pela Igreja peregrina, na qual Ela continua a desenvolver a composição da sua “narração” de evangelizadora. Maria propõe continuamente aos crentes os “mistérios” do seu Filho, desejando que sejam contemplados, para que possam irradiar toda a sua força salvífica. Quando recita o Rosário, a comunidade cristã sintoniza-se com a lembrança e com o olhar de Maria.
Rosário, oração contemplativa
12. O Rosário, precisamente a partir da experiência de Maria, é uma oração marcadamente contemplativa. Privado desta dimensão, perderia sentido, como sublinhava Paulo VI: « Sem contemplação, o Rosário é um corpo sem alma e a sua recitação corre o perigo de tornar-se uma repetição mecânica de fórmulas e de vir a achar-se em contradição com a advertência de Jesus: “Na oração não sejais palavrosos como os gentios, que imaginam que hão-de ser ouvidos graças à sua verbosidade” (Mt 6, 7). Por sua natureza, a recitação do Rosário requer um ritmo tranquilo e uma certa demora a pensar, que favoreçam, naquele que ora, a meditação dos mistérios da vida do Senhor, vistos através do Coração d’Aquela que mais de perto esteve em contacto com o mesmo Senhor, e que abram o acesso às suas insondáveis riquezas ».14
Precisamos de deter-nos neste profundo pensamento de Paulo VI, para dele extrair algumas dimensões do Rosário que definem melhor o seu carácter próprio de contemplação cristológica.
Recordar Cristo com Maria
13. O contemplar de Maria é, antes de mais, um recordar. Convém, no entanto, entender esta palavra no sentido bíblico da memória (zakar), que actualiza as obras realizadas por Deus na história da salvação. A Bíblia é narração de acontecimentos salvíficos, que culminam no mesmo Cristo. Estes acontecimentos não constituem somente um “ontem”; são também o “hoje” da salvação.
Esta actualização realiza-se particularmente na Liturgia: o que Deus realizou séculos atrás não tinha a ver só com as testemunhas directas dos acontecimentos, mas alcança, pelo seu dom de graça, o homem de todos os tempos. Isto vale, de certo modo, também para qualquer outra piedosa ligação com aqueles acontecimentos: « fazer memória deles », em atitude de fé e de amor, significa abrir-se à graça que Cristo nos obteve com os seus mistérios de vida, morte e ressurreição.
Por isso, enquanto se reafirma, com o Concílio Vaticano II, que a Liturgia, como exercício do ofício sacerdotal de Cristo e culto público, é « a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força »,15 convém ainda lembrar que « a participação na sagrada Liturgia não esgota a vida espiritual. O cristão, chamado a rezar em comum, deve também entrar no seu quarto para rezar a sós ao Pai (cf. Mt 6, 6); mais, segundo ensina o Apóstolo, deve rezar sem cessar (cf. 1 Tes 5, 17) ».16 O Rosário, com a sua especificidade, situa-se neste cenário diversificado da oração « incessante », e se a Liturgia, acção de Cristo e da Igreja, é acção salvífica por excelência, o Rosário, enquanto meditação sobre Cristo com Maria, é contemplação salutar. De facto, a inserção, de mistério em mistério, na vida do Redentor faz com que tudo aquilo que Ele realizou e a Liturgia actualiza, seja profundamente assimilado e modele a existência.
Aprender Cristo de Maria
14. Cristo é o Mestre por excelência, o revelador e a revelação. Não se trata somente de aprender as coisas que Ele ensinou, mas de “aprender a Ele”. Porém, nisto, qual mestra mais experimentada do que Maria? Se do lado de Deus é o Espírito, o Mestre interior, que nos conduz à verdade plena de Cristo (cf. Jo 14, 26; 15, 26;16, 13), de entre os seres humanos, ninguém melhor do que Ela conhece Cristo, ninguém como a Mãe pode introduzir-nos no profundo conhecimento do seu mistério.
O primeiro dos “sinais” realizado por Jesus – a transformação da água em vinho nas bodas de Caná – mostra-nos precisamente Maria no papel de mestra, quando exorta os servos a cumprirem as disposições de Cristo (cf. Jo 2, 5). E podemos imaginar que Ela tenha desempenhado a mesma função com os discípulos depois da Ascensão de Jesus, quando ficou com eles à espera do Espírito Santo e os animou na primeira missão. Percorrer com Ela as cenas do Rosário é como frequentar a “escola” de Maria para ler Cristo, penetrar nos seus segredos, compreender a sua mensagem.
Uma escola, a de Maria, ainda mais eficaz, quando se pensa que Ela a dá obtendo-nos os dons do Espírito Santo com abundância e, ao mesmo tempo, propondo-nos o exemplo daquela « peregrinação da fé »,17 na qual é mestra inigualável. Diante de cada mistério do Filho, Ela convida-nos, como na sua Anunciação, a colocar humildemente as perguntas que abrem à luz, para concluir sempre com a obediência da fé: « Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra » (Lc 1, 38).
Configurar-se a Cristo com Maria
15. A espiritualidade cristã tem como seu carácter qualificador o empenho do discípulo em configurar-se sempre mais com o seu Mestre (cf. Rom 8, 29; Fil 3, 10.21). A efusão do Espírito no Baptismo introduz o crente como ramo na videira que é Cristo (cf. Jo 15, 5), constitui-o membro do seu Corpo místico (cf. 1 Cor 12, 12; Rom 12, 5). Mas a esta unidade inicial, deve corresponder um caminho de assimilação progressiva a Ele que oriente sempre mais o comportamento do discípulo conforme à “lógica” de Cristo: « Tende entre vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus » (Fil 2, 5). É necessário, segundo as palavras do Apóstolo, « revestir-se de Cristo » (Rom13, 14; Gal 3, 27).
No itinerário espiritual do Rosário, fundado na incessante contemplação – em companhia de Maria – do rosto de Cristo, este ideal exigente de configuração com Ele alcança-se através do trato, podemos dizer, “amistoso”. Este introduz-nos de modo natural na vida de Cristo e como que faz-nos “respirar” os seus sentimentos. A este respeito diz o Beato Bártolo Longo: « Tal como dois amigos, que se encontram constantemente, costumam configurar-se até mesmo nos hábitos, assim também nós, conversando familiarmente com Jesus e a Virgem, ao meditar os mistérios do Rosário, vivendo unidos uma mesma vida pela Comunhão, podemos vir a ser, por quanto possível à nossa pequenez, semelhantes a Eles, e aprender destes supremos modelos a vida humilde, pobre, escondida, paciente e perfeita ».18
Neste processo de configuração a Cristo no Rosário, confiamo-nos, de modo particular, à acção maternal da Virgem Santa. Aquela que é Mãe de Cristo, pertence Ela mesma à Igreja como seu « membro eminente e inteiramente singular »19 sendo, ao mesmo tempo, a “Mãe da Igreja”. Como tal, “gera” continuamente filhos para o Corpo místico do Filho. Fá-lo mediante a intercessão, implorando para eles a efusão inesgotável do Espírito. Ela é o perfeito ícone da maternidade da Igreja.
O Rosário transporta-nos misticamente para junto de Maria dedicada a acompanhar o crescimento humano de Cristo na casa de Nazaré. Isto permite-lhe educar-nos e plasmar-nos, com a mesma solicitude, até que Cristo esteja formado em nós plenamente (cf. Gal 4, 19). Esta acção de Maria, totalmente fundada sobre a de Cristo e a esta radicalmente subordinada, « não impede minimamente a união imediata dos crentes com Cristo, antes a facilita ».20 É o princípio luminoso expresso pelo Concílio Vaticano II, que provei com tanta força na minha vida, colocando-o na base do meu lema episcopal: Totus tuus.21 Um lema, como é sabido, inspirado na doutrina de S. Luís Maria Grignion de Montfort, que assim explica o papel de Maria no processo de configuração a Cristo de cada um de nós: “Toda a nossa perfeição consiste em sermos configurados, unidos e consagrados a Jesus Cristo. Portanto, a mais perfeita de todas as devoções é incontestavelmente aquela que nos configura, une e consagra mais perfeitamente a Jesus Cristo. Ora, sendo Maria entre todas as criaturas a mais configurada a Jesus Cristo, daí se conclui que de todas as devoções, a que melhor consagra e configura uma alma a Nosso Senhor é a devoção a Maria, sua santa Mãe; e quanto mais uma alma for consagrada a Maria, tanto mais será a Jesus Cristo”.22 Nunca como no Rosário o caminho de Cristo e o de Maria aparecem unidos tão profundamente. Maria só vive em Cristo e em função de Cristo!
Suplicar a Cristo com Maria
16. Cristo convidou a dirigirmo-nos a Deus com insistência e confiança para ser escutados: « Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei e abrir-se-vos-á » (Mt 7, 7). O fundamento desta eficácia da oração é a bondade do Pai, mas também a mediação junto d’Ele por parte do mesmo Cristo (cf. 1 Jo 2, 1) e a acção do Espírito Santo, que « intercede por nós » conforme os desígnios de Deus (cf. Rom 8, 26-27). De facto, nós « não sabemos o que devemos pedir em nossas orações » (Rom 8, 26) e, às vezes, não somos atendidos « porque pedimos mal » (Tg 4, 3).
Em apoio da oração que Cristo e o Espírito fazem brotar no nosso coração, intervém Maria com a sua materna intercessão. “A oração da Igreja é como que sustentada pela oração de Maria”.23 De facto, se Jesus, único Mediador, é o Caminho da nossa oração, Maria, pura transparência d’Ele, mostra o Caminho, e “é a partir desta singular cooperação de Maria com a acção do Espírito Santo que as Igrejas cultivaram a oração à santa Mãe de Deus, centrando-a na pessoa de Cristo manifestada nos seus mistérios”.24 Nas bodas de Caná, o Evangelho mostra precisamente a eficácia da intercessão de Maria, que se faz porta-voz junto de Jesus das necessidades humanas: « Não têm vinho » (Jo2,3).
O Rosário é ao mesmo tempo meditação e súplica. A imploração insistente da Mãe de Deus apoia-se na confiança de que a sua materna intercessão tudo pode no coração do Filho. Ela é “omnipotente por graça”, como, com expressão audaz a ser bem entendida, dizia o Beato Bártolo Longo na sua Súplica à Virgem.25 Uma certeza esta que, a partir do Evangelho, foi-se consolidando através da experiência do povo cristão. O grande poeta Dante, na linha de S. Bernardo, interpreta-a estupendamente, quando canta: “Donna, se’ tanto grande e tanto vali, / che qual vuol grazia e a te non ricorre, / sua disianza vuol volar sanz’ali”.26 No Rosário, Maria, santuário do Espírito Santo (cf. Lc1, 35), ao ser suplicada por nós, apresenta-se em nosso favor diante do Pai que a cumulou de graça e do Filho nascido das suas entranhas, pedindo connosco e por nós.
Anunciar Cristo com Maria
17. O Rosário é também um itinerário de anúncio e aprofundamento, no qual o mistério de Cristo é continuamente oferecido aos diversos níveis da experiência cristã. O módulo é o de uma apresentação orante e contemplativa, que visa plasmar o discípulo segundo o coração de Cristo. De facto, se na recitação do Rosário todos os elementos para uma meditação eficaz forem devidamente valorizados, torna-se, especialmente na celebração comunitária nas paróquias e nos santuários, uma significativa oportunidade catequética que os Pastores devem saber aproveitar. A Virgem do Rosário continua também deste modo a sua obra de anúncio de Cristo. A história do Rosário mostra como esta oração foi utilizada especialmente pelos Dominicanos, num momento difícil para a Igreja por causa da difusão da heresia. Hoje encontramo-nos diante de novos desafios. Porque não retomar na mão o Terço com a fé dos que nos precederam? O Rosário conserva toda a sua força e permanece um recurso não descurável na bagagem pastoral de todo o bom evangelizador.
CAPÍTULO II
MISTÉRIOS DE CRISTO, MISTÉRIOS DA MÃE
O Rosário, “compêndio do Evangelho”
18. À contemplação do rosto de Cristo só podemos introduzir-nos escutando, no Espírito, a voz do Pai, porque « ninguém conhece o Filho senão o Pai » (Mt 11, 27). Nas proximidades de Cesaréia de Filipe, perante a confissão de Pedro, Jesus especificará a fonte de uma tão clara intuição da sua identidade: « Não foram a carne nem o sangue quem to revelou, mas o meu Pai que está nos céus » (Mt 16, 17). É, pois, necessária a revelação do alto. Mas, para acolhê-la, é indispensável colocar-se à escuta: “Só a experiência do silêncio e da oração oferece o ambiente adequado para maturar e desenvolver-se um conhecimento mais verdadeiro, aderente e coerente daquele mistério”.27
O Rosário é um dos percursos tradicionais da oração cristã aplicada à contemplação do rosto de Cristo. Paulo VI assim o descreveu: « Oração evangélica, centrada sobre o mistério da Encarnação redentora, o Rosário é, por isso mesmo, uma prece de orientação profundamente cristológica. Na verdade, o seu elemento mais característico – a repetição litânica do “Alegra-te, Maria”– torna-se também ele louvor incessante a Cristo, objectivo último do anúncio do Anjo e da saudação da mãe do Baptista: “Bendito o fruto do teu ventre” (Lc 1, 42). Diremos mais ainda: a repetição da Ave Maria constitui a urdidura sobre a qual se desenrola a contemplação dos mistérios; aquele Jesus que cada Avé Maria relembra é o mesmo que a sucessão dos mistérios propõe, uma e outra vez, como Filho de Deus e da Virgem Santíssima ».28
Uma inserção oportuna
19. De tantos mistérios da vida de Cristo, o Rosário, tal como se consolidou na prática mais comum confirmada pela autoridade eclesial, aponta só alguns. Tal selecção foi ditada pela estruturação originária desta oração, que adoptou o número 150 como o dos Salmos.
Considero, no entanto, que, para reforçar o espessor cristológico do Rosário, seja oportuna uma inserção que, embora deixada à livre valorização de cada pessoa e das comunidades, lhes permita abraçar também os mistérios da vida pública de Cristo entre o Baptismo e a Paixão. Com efeito, é no âmbito destes mistérios que contemplamos aspectos importantes da pessoa de Cristo, como revelador definitivo de Deus. É Ele que, declarado Filho dilecto do Pai no Baptismo do Jordão, anuncia a vinda do Reino, testemunha-a com as obras e proclama as suas exigências. É nos anos da vida pública que o mistério de Cristo se mostra de forma especial como mistério de luz: « Enquanto estou no mundo, sou a Luz do mundo » (Jo 9, 5).
Para que o Rosário possa considerar-se mais plenamente “compêndio do Evangelho”, é conveniente que, depois de recordar a encarnação e a vida oculta de Cristo (mistérios da alegria), e antes de se deter nos sofrimentos da paixão (mistérios da dor), e no triunfo da ressurreição (mistérios da glória), a meditação se concentre também sobre alguns momentos particularmente significativos da vida pública (mistérios da luz). Esta inserção de novos mistérios, sem prejudicar nenhum aspecto essencial do esquema tradicional desta oração, visa fazê-la viver com renovado interesse na espiritualidade cristã, como verdadeira introdução na profundidade do Coração de Cristo, abismo de alegria e de luz, de dor e de glória.
Mistérios da alegria
20. O primeiro ciclo, o dos “mistérios gozosos”, caracteriza-se de facto pela alegria que irradia do acontecimento da Encarnação. Isto é evidente desde a Anunciação, quando a saudação de Gabriel à Virgem de Nazaré se liga ao convite da alegria messiânica: « Alegra-te, Maria ». Para este anúncio se encaminha a história da salvação, e até, de certo modo, a história do mundo. De facto, se o desígnio do Pai é recapitular em Cristo todas as coisas (cf. Ef 1, 10), então todo o universo de algum modo é alcançado pelo favor divino, com o qual o Pai Se inclina sobre Maria para torná-La Mãe do seu Filho. Por sua vez, toda a humanidade está como que incluída no fiat com que Ela corresponde prontamente à vontade de Deus.
Sob o signo da exultação, aparece depois a cena do encontro com Isabel, onde a mesma voz de Maria e a presença de Cristo no seu ventre fazem « saltar de alegria » João (cf. Lc 1, 44). Inundada de alegria é a cena de Belém, onde o nascimento do Deus-Menino, o Salvador do mundo, é cantado pelos anjos e anunciado aos pastores precisamente como « uma grande alegria » (Lc 2, 10).
Os dois últimos mistérios, porém, mesmo conservando o sabor da alegria antecipam já os sinais do drama. A apresentação no templo, de facto, enquanto exprime a alegria da consagração e extasia o velho Simeão, regista também a profecia do « sinal de contradição » que o Menino será para Israel e da espada que trespassará a alma da Mãe (cf. Lc 2, 34-35). Gozoso e ao mesmo tempo dramático é também o episódio de Jesus, aos doze anos, no templo. Vemo-Lo aqui na sua divina sabedoria, enquanto escuta e interroga, e substancialmente no papel d’Aquele que “ensina”. A revelação do seu mistério de Filho totalmente dedicado às coisas do Pai é anúncio daquela radicalidade evangélica que põe inclusive em crise os laços mais caros do homem, diante das exigências absolutas do Reino. Até José e Maria, aflitos e angustiados, « não entenderam » as suas palavras (Lc 2, 50).
Por isso, meditar os mistérios gozosos significa entrar nas motivações últimas e no significado profundo da alegria cristã. Significa fixar o olhar sobre a realidade concreta do mistério da Encarnação e sobre o obscuro prenúncio do mistério do sofrimento salvífico. Maria leva-nos a aprender o segredo da alegria cristã, lembrando-nos que o cristianismo é, antes de mais, evangelion, “boa nova”, que tem o seu centro, antes, o seu mesmo conteúdo, na pessoa de Cristo, o Verbo feito carne, único Salvador do mundo.
Mistérios da luz
21. Passando da infância e da vida de Nazaré à vida pública de Jesus, a contemplação leva-nos aos mistérios que se podem chamar, por especial título, “mistérios da luz”. Na verdade, todo o mistério de Cristo é luz. Ele é a « luz do mundo » (Jo8, 12). Mas esta dimensão emerge particularmente nos anos da vida pública, quando Ele anuncia o evangelho do Reino. Querendo indicar à comunidade cristã cinco momentos significativos – mistérios luminosos – desta fase da vida de Cristo, considero que se podem justamente individuar: 1o no seu Baptismo no Jordão, 2o na sua auto-revelação nas bodas de Caná, 3o no seu anúncio do Reino de Deus com o convite à conversão, 4o na sua Transfiguração e, enfim, 5o na instituição da Eucaristia, expressão sacramental do mistério pascal.
Cada um destes mistérios é revelação do Reino divino já personificado no mesmo Jesus. Primeiramente é mistério de luz o Baptismo no Jordão. Aqui, enquanto Cristo desce à água do rio, como inocente que Se faz pecado por nós (cf. 2 Cor 5, 21), o céu abre-se e a voz do Pai proclama-O Filho dilecto (cf. Mt 3, 17 par), ao mesmo tempo que o Espírito vem sobre Ele para investi-Lo na missão que O espera. Mistério de luz é o início dos sinais em Caná (cf. Jo 2, 1-12), quando Cristo, transformando a água em vinho, abre à fé o coração dos discípulos graças à intervenção de Maria, a primeira entre os crentes. Mistério de luz é a pregação com a qual Jesus anuncia o advento do Reino de Deus e convida à conversão (cf. Mc 1, 15), perdoando os pecados de quem a Ele se dirige com humilde confiança (cf. Mc 2, 3-13; Lc 7, 47-48), início do ministério de misericórdia que Ele prosseguirá exercendo até ao fim do mundo, especialmente através do sacramento da Reconciliação confiado à sua Igreja (cf. Jo 20, 22-23). Mistério de luz por excelência é a Transfiguração que, segundo a tradição, se deu no Monte Tabor. A glória da Divindade reluz no rosto de Cristo, enquanto o Pai O acredita aos Apóstolos extasiados para que O « escutem » (cf. Lc 9, 35 par) e se disponham a viver com Ele o momento doloroso da Paixão, a fim de chegarem com Ele à glória da Ressurreição e a uma vida transfigurada pelo Espírito Santo. Mistério de luz é, enfim, a instituição da Eucaristia, na qual Cristo Se faz alimento com o seu Corpo e o seu Sangue sob os sinais do pão e do vinho, testemunhando « até ao extremo » o seu amor pela humanidade (Jo 13, 1), por cuja salvação Se oferecerá em sacrifício.
Nestes mistérios, à excepção de Caná, a presença de Maria fica em segundo plano. Os Evangelhos mencionam apenas alguma presença ocasional d’Ela no tempo da pregação de Jesus (cf. Mc 3, 31-35; Jo 2, 12) e nada dizem de uma eventual presença no Cenáculo durante a instituição da Eucaristia. Mas, a função que desempenha em Caná acompanha, de algum modo, todo o caminho de Cristo. A revelação, que no Baptismo do Jordão é oferecida directamente pelo Pai e confirmada pelo Baptista, está na sua boca em Caná, e torna-se a grande advertência materna que Ela dirige à Igreja de todos os tempos: « Fazei o que Ele vos disser » (Jo 2, 5). Advertência esta que introduz bem as palavras e os sinais de Cristo durante a vida pública, constituindo o fundo mariano de todos os “mistérios da luz”.
Mistérios da dor
22. Os Evangelhos dão grande relevo aos mistérios da dor de Cristo. A piedade cristã desde sempre, especialmente na Quaresma, através do exercício da Via Sacra, deteve-se em cada um dos momentos da Paixão, intuindo que aqui está o ápice da revelação do amor e a fonte da nossa salvação. O Rosário escolhe alguns momentos da Paixão, induzindo o orante a fixar neles o olhar do coração e a revivê-los. O itinerário meditativo abre-se com o Getsémani, onde Cristo vive um momento de particular angústia perante a vontade do Pai, contra a qual a debilidade da carne seria tentada a revoltar-se. Ali Cristo põe-Se no lugar de todas as tentações da humanidade, e diante de todos os seus pecados, para dizer ao Pai: « Não se faça a minha vontade, mas a Tua » (Lc 22, 42 e par). Este seu “sim” muda o “não” dos pais no Éden. E o quanto Lhe deverá custar esta adesão à vontade do Pai, emerge dos mistérios seguintes, nos quais, com a flagelação, a coroação de espinhos, a subida ao Calvário, a morte na cruz, Ele é lançado no maior desprezo: Ecce homo!
Neste desprezo, revela-se não somente o amor Deus, mas o mesmo sentido do homem. Ecce homo: quem quiser conhecer o homem, deve saber reconhecer o seu sentido, a sua raiz e o seu cumprimento em Cristo, Deus que Se rebaixa por amor « até à morte, e morte de cruz » (Fil 2, 8). Os mistérios da dor levam o crente a reviver a morte de Jesus pondo-se aos pés da cruz junto de Maria, para com Ela penetrar no abismo do amor de Deus pelo homem e sentir toda a sua força regeneradora.
Mistérios da glória
23. “A contemplação do rosto de Cristo não pode deter-se na imagem do crucificado. Ele é o Ressuscitado!”.29 O Rosário sempre expressou esta certeza da fé, convidando o crente a ultrapassar as trevas da Paixão, para fixar o olhar na glória de Cristo com a Ressurreição e a Ascensão. Contemplando o Ressuscitado, o cristão descobre novamente as razões da própria fé (cf. 1 Cor 15, 14), e revive não só a alegria daqueles a quem Cristo Se manifestou – os Apóstolos, a Madalena, os discípulos de Emaús –, mas também a alegria de Maria, que deverá ter tido uma experiência não menos intensa da nova existência do Filho glorificado. A esta glória, onde com a Ascensão Cristo Se senta à direita do Pai, Ela mesma será elevada com a Assunção, chegando, por especialíssimo privilégio, a antecipar o destino reservado a todos os justos com a ressurreição da carne. Enfim, coroada de glória – como aparece no último mistério glorioso – Ela resplandece como Rainha dos Anjos e dos Santos, antecipação e ponto culminante da condição escatológica da Igreja.
No centro deste itinerário de glória do Filho e da Mãe, o Rosário põe, no terceiro mistério glorioso, o Pentecostes, que mostra o rosto da Igreja como família reunida com Maria, fortalecida pela poderosa efusão do Espírito, pronta para a missão evangelizadora. No âmbito da realidade da Igreja, a contemplação deste, como dos outros mistérios gloriosos, deve levar os crentes a tomarem uma consciência cada vez mais viva da sua nova existência em Cristo, uma existência de que o Pentecostes constitui o grande “ícone”. Desta forma, os mistérios gloriosos alimentam nos crentes a esperança da meta escatológica, para onde caminham como membros do Povo de Deus peregrino na história. Isto não pode deixar de impeli-los a um corajoso testemunho daquela « grande alegria » que dá sentido a toda a sua vida.
Dos “mistérios” ao “Mistério”: o caminho de Maria
24. Estes ciclos meditativos propostos no Santo Rosário não são certamente exaustivos, mas apelam ao essencial, introduzindo o espírito no gosto de um conhecimento de Cristo que brota continuamente da fonte límpida do texto evangélico. Cada passagem da vida de Cristo, como é narrada pelos Evangelistas, reflecte aquele Mistério que supera todo o conhecimento (cf. Ef 3, 19). É o Mistério do Verbo feito carne, no Qual « habita corporalmente toda a plenitude da divindade » (Col 2, 9). Por isso, o Catecismo da Igreja Católica insiste tanto nos mistérios de Cristo, lembrando que « tudo na vida de Jesus é sinal do seu Mistério ».30 O “duc in altum” da Igreja no terceiro Milénio é medido pela capacidade dos cristãos de « conhecerem o mistério de Deus, isto é Cristo, no Qual estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência » (Col 2, 2-3). A cada baptizado é dirigido este voto ardente da Carta aos Efésios: « Que Cristo habite pela fé nos vossos corações, de sorte que, arraigados e fundados na caridade, possais [...] compreender o amor de Cristo, que excede toda a ciência, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus » (3, 17-19).
O Rosário coloca-se ao serviço deste ideal, oferecendo o “segredo” para se abrir mais facilmente a um conhecimento profundo e empenhado de Cristo. Digamos que é o caminho de Maria. É o caminho do exemplo da Virgem de Nazaré, mulher de fé, de silêncio e de escuta. É, ao mesmo tempo, o caminho de uma devoção mariana animada pela certeza da relação indivisível que liga Cristo à sua Mãe Santíssima: os mistérios de Cristo são também, de certo modo, os mistérios da Mãe, mesmo quando não está directamente envolvida, pelo facto de Ela viver d’Ele e para Ele. Na Avé Maria, apropriando-nos das palavras do Arcanjo Gabriel e de Santa Isabel, sentimo-nos levados a procurar sempre de novo em Maria, nos seus braços e no seu coração, o « fruto bendito do seu ventre » (cf. Lc 1, 42).
Mistério de Cristo, “mistério” do homem
25. No citado testemunho de 1978 sobre o Rosário como minha oração predilecta, exprimi um conceito sobre o qual desejo retornar. Dizia então que « a simples oração do Rosário marca o ritmo da vida humana ».31
À luz das reflexões desenvolvidas até agora sobre os mistérios de Cristo, não é difícil aprofundar esta implicação antropológica do Rosário; uma implicação mais radical do que possa parecer à primeira vista. Quem contempla a Cristo, percorrendo as etapas da sua vida, não pode deixar de aprender d’Ele a verdade sobre o homem. É a grande afirmação do Concílio Vaticano II que, desde a Carta encíclica Redemptor hominis, tantas vezes fiz objecto do meu magistério: “Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente”.32 O Rosário ajuda a abrir-se a esta luz. Seguindo o caminho de Cristo, no qual o caminho do homem é « recapitulado »,33 manifestado e redimido, o crente põe-se diante da imagem do homem verdadeiro. Contemplando o seu nascimento aprende a sacralidade da vida, olhando para a casa de Nazaré aprende a verdade originária da família segundo o desígnio de Deus, escutando o Mestre nos mistérios da vida pública recebe a luz para entrar no Reino de Deus, e seguindo-O no caminho para o Calvário aprende o sentido da dor salvífica. Contemplando, enfim, a Cristo e sua Mãe na glória, vê a meta para a qual cada um de nós é chamado, se se deixa curar e transfigurar pelo Espírito Santo. Pode-se dizer, portanto, que cada mistério do Rosário, bem meditado, ilumina o mistério do homem.
Ao mesmo tempo, torna-se natural levar a este encontro com a humanidade santa do Redentor os numerosos problemas, agruras, fadigas e projectos que definem a nossa vida. « Descarrega sobre o Senhor os teus cuidados, e Ele te sustentará » (Sal 55, 23). Meditar com o Rosário significa entregar os nossos cuidados aos corações misericordiosos de Cristo e da sua Mãe. À distância de vinte e cinco anos, ao reconsiderar as provações que não faltaram nem mesmo no exercício do ministério petrino, desejo insistir, como para convidar calorosamente a todos, a fim de que experimentem pessoalmente isto mesmo: verdadeiramente o Rosário « marca o ritmo da vida humana » para harmonizá-la com o ritmo da vida divina, na gozosa comunhão da Santíssima Trindade, destino e aspiração da nossa existência.
CAPÍTULO III
« PARA MIM, O VIVER É CRISTO »
O Rosário, caminho de assimilação do mistério
26. A meditação dos mistérios de Cristo é proposta no Rosário com um método característico, apropriado por sua natureza para favorecer a assimilação dos mesmos. É o método baseado na repetição. Isto é visível sobretudo com a Avé Maria, repetida dez vezes em cada mistério. Considerando superficialmente uma tal repetição, pode-se ser tentado a ver o Rosário como uma prática árida e aborrecida. Chega-se, porém, a uma ideia muito diferente, quando se considera o Terço como expressão daquele amor que não se cansa de voltar à pessoa amada com efusões que, apesar de semelhantes na sua manifestação, são sempre novas pelo sentimento que as permeia.
Em Cristo, Deus assumiu verdadeiramente um « coração de carne ». Não tem apenas um coração divino, rico de misericórdia e perdão, mas também um coração humano, capaz de todas as vibrações de afecto. Se houvesse necessidade dum testemunho evangélico disto mesmo, não seria difícil encontrá-lo no diálogo comovente de Cristo com Pedro depois da ressurreição: « Simão, filho de João, tu amas-Me? » Por três vezes é feita a pergunta, e três vezes recebe como resposta: « Senhor, Tu sabes que Te amo » (cf. Jo21, 15-17). Além do significado específico do texto, tão importante para a missão de Pedro, não passa despercebida a ninguém a beleza desta tríplice repetição, na qual a solicitação insistente e a respectiva resposta são expressas com termos bem conhecidos da experiência universal do amor humano. Para compreender o Rosário, é preciso entrar na dinâmica psicológica típica do amor.
Uma coisa é clara! Se a repetição da Avé Maria se dirige directamente a Maria, com Ela e por Ela é para Jesus que, em última análise, vai o acto de amor. A repetição alimenta-se do desejo duma conformação cada vez mais plena a Cristo, verdadeiro “programa” da vida cristã. S. Paulo enunciou este programa com palavras cheias de ardor: « Para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro » (Flp 1, 21). E ainda: « Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim » (Gal 2, 20). O Rosário ajuda-nos a crescer nesta conformação até à meta da santidade.
Um método válido...
27. Não deve maravilhar-nos o facto de a relação com Cristo se servir também do auxílio dum método. Deus comunica-Se ao homem, respeitando o modo de ser da nossa natureza e os seus ritmos vitais. Por isso a espiritualidade cristã, embora conhecendo as formas mais sublimes do silêncio místico onde todas as imagens, palavras e gestos ficam superados pela intensidade duma inefável união do homem com Deus, normalmente passa pelo envolvimento total da pessoa, na sua complexa realidade psico-física e relacional.
Isto é evidente na Liturgia. Os sacramentos e os sacramentais estão estruturados com uma série de ritos, em que se faz apelo às diversas dimensões da pessoa. E a mesma exigência transparece da oração não litúrgica. A confirmá-lo está o facto de a oração mais característica de meditação cristológica no Oriente, que se centra nas palavras « Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim, pecador »,34 estar tradicionalmente ligada ao ritmo da respiração: ao mesmo tempo que isso facilita a perseverança na invocação, assegura quase uma densidade física ao desejo de que Cristo se torne a respiração, a alma e o “tudo” da vida.
...que todavia pode ser melhorado
28. Recordei na Carta apostólica Novo millennio ineunte que há hoje, mesmo no Ocidente, uma renovada exigência de meditação, que se vê às vezes promovida noutras religiões com modalidades cativantes.35 Não faltam cristãos que, por reduzido conhecimento da tradição contemplativa cristã, se deixam aliciar por tais propostas. Apesar de possuírem elementos positivos e às vezes compatíveis com a experiência cristã, todavia escondem frequentemente um fundo ideológico inaceitável. Em tais experiências, é muito comum aparecer uma metodologia que, tendo por objectivo uma alta concentração espiritual, recorre a técnicas repetitivas e simbólicas de carácter psico-físico. O Rosário coloca-se neste quadro universal da fenomenologia religiosa, mas apresenta características próprias, que correspondem às exigências típicas da especificidade cristã.
Na realidade, trata-se simplesmente de um método para contemplar. E, como método que é, há-de ser utilizado em ordem ao seu fim, e não como fim em si mesmo. Mas, sendo fruto duma experiência secular, o próprio método não deve ser subestimado. Abona em seu favor a experiência de inumeráveis Santos. Isto, porém, não impede que seja melhorado. Tal é o objectivo da inserção, no ciclo dos mistérios, da nova série dos mysteria lucis, juntamente com algumas sugestões relativas à recitação, que proponho nesta Carta. Através delas, embora respeitando a estrutura amplamente consolidada desta oração, queria ajudar os fiéis a compreendê-la nos seus aspectos simbólicos, em sintonia com as exigências da vida quotidiana. Sem isso, o Rosário corre o risco não só de não produzir os efeitos espirituais desejados, mas até mesmo de o terço, com que habitualmente é recitado, acabar por ser visto quase como um amuleto ou objecto mágico, com uma adulteração radical do seu sentido e função.
A enunciação do mistério
29. Enunciar o mistério, com a possibilidade até de fixar contextualmente um ícone que o represente, é como abrir um cenário sobre o qual se concentra a atenção. As palavras orientam a imaginação e o espírito para aquele episódio ou momento concreto da vida de Cristo. Na espiritualidade que se foi desenvolvendo na Igreja, tanto a veneração de ícones como inúmeras devoções ricas de elementos sensíveis e mesmo o método proposto por Santo Inácio de Loiola nos Exercícios Espirituais recorrem ao elemento visível e figurativo (a chamada compositio loci), considerando-o de grande ajuda para facilitar a concentração do espírito no mistério. Aliás, é uma metodologia que corresponde à própria lógica da Encarnação: em Jesus, Deus quis tomar feições humanas. É através da sua realidade corpórea que somos levados a tomar contacto com o seu mistério divino.
É a esta exigência de concretização que dá resposta a enunciação dos vários mistérios do Rosário. Certamente, estes não substituem o Evangelho, nem fazem referência a todas as suas páginas. Por isso, o Rosário não substitui a lectio divina; pelo contrário, supõe-na e promove-a. Mas, se os mistérios considerados no Rosário, completados agora com os mysteria lucis, se limitam aos traços fundamentais da vida de Cristo, o espírito pode facilmente a partir deles estender-se ao resto do Evangelho, sobretudo quando o Rosário é recitado em momentos particulares de prolongado silêncio.
A escuta da Palavra de Deus
30. A fim de dar fundamentação bíblica e maior profundidade à meditação, é útil que a enunciação do mistério seja acompanhada pela proclamação de uma passagem bíblica alusiva, que, segundo as circunstâncias, pode ser mais ou menos longa. De facto, as outras palavras não atingem nunca a eficácia própria da palavra inspirada. Esta há-de ser escutada com a certeza de que é Palavra de Deus, pronunciada para o dia de hoje e “para mim”.
Assim acolhida, ela entra na metodologia de repetição do Rosário, sem provocar o enfado que derivaria duma simples evocação de informação já bem conhecida. Não, não se trata de trazer à memória uma informação, mas de deixar Deus “falar”. Em ocasiões solenes e comunitárias, esta palavra pode ser devidamente ilustrada com um breve comentário.
O silêncio
31. A escuta e a meditação alimentam-se de silêncio. Por isso, após a enunciação do mistério e a proclamação da Palavra, é conveniente parar, durante um côngruo período de tempo, a fixar o olhar sobre o mistério meditado, antes de começar a oração vocal. A redescoberta do valor do silêncio é um dos segredos para a prática da contemplação e da meditação. Entre as limitações duma sociedade de forte predominância tecnológica e mediática, conta-se o facto de se tornar cada vez mais difícil o silêncio. Tal como na Liturgia se recomendam momentos de silêncio, assim também na recitação do Rosário é oportuno fazer uma pausa depois da escuta da Palavra de Deus enquanto o espírito se fixa no conteúdo do relativo mistério.
O “Pai nosso”
32. Após a escuta da Palavra e a concentração no mistério, é natural que o espírito se eleve para o Pai. Em cada um dos seus mistérios, Jesus leva-nos sempre até ao Pai, para Quem Ele Se volta continuamente porque repousa no seu “seio” (cf. Jo 1,18). Quer introduzir-nos na intimidade do Pai, para dizermos com Ele: « Abbá, Pai » (Rom 8, 5; Gal 4, 6). É em relação ao Pai que Ele nos torna irmãos seus e entre nós, ao comunicar-nos o Espírito que é conjuntamente d’Ele e do Pai. O “Pai nosso”, colocado quase como alicerce da meditação cristológico-mariana que se desenrola através da repetição da Avé Maria, torna a meditação do mistério, mesmo quando é feita a sós, uma experiência eclesial.
As dez “Avé Marias”
33. Este elemento é o mais encorpado do Rosário e também o que faz dele uma oração mariana por excelência. Mas à luz da própria Avé Maria, bem entendida, nota-se claramente que o carácter mariano não só não se opõe ao cristológico como até o sublinha e exalta. De facto, a primeira parte da Avé Maria, tirada das palavras dirigidas a Maria pelo Anjo Gabriel e por Santa Isabel, é contemplação adoradora do mistério que se realiza na Virgem de Nazaré. Exprimem, por assim dizer, a admiração do céu e da terra, e deixam de certo modo transparecer o encanto do próprio Deus ao contemplar a sua obra-prima –a encarnação do Filho no ventre virginal de Maria – na linha daquele olhar contente do Génesis (cf. Gen 1, 31), daquele primordial « pathos com que Deus, na aurora da criação, contemplou a obra das suas mãos ».36 A repetição da Avé Maria no Rosário sintoniza-nos com este encanto de Deus: é júbilo, admiração, reconhecimento do maior milagre da história. É o cumprimento da profecia de Maria: « Desde agora, todas as gerações Me hão-de chamar ditosa » (Lc 1, 48).
O baricentro da Avé Maria, uma espécie de charneira entre a primeira parte e a segunda, é o nome de Jesus. Às vezes, na recitação precipitada, perde-se tal baricentro e, com ele, também a ligação ao mistério de Jesus que se está a contemplar. Ora, é precisamente pela acentuação dada ao nome de Jesus e ao seu mistério que se caracteriza a recitação expressiva e frutuosa do Rosário. Já Paulo VI recordou na Exortação apostólica Marialis cultus o costume, existente nalgumas regiões, de dar realce ao nome de Cristo acrescentando-lhe uma cláusula evocativa do mistério que se está a meditar.37 É um louvável costume, sobretudo na recitação pública. Exprime de forma intensa a fé cristológica, aplicada aos diversos momentos da vida do Redentor. É profissão de fé e, ao mesmo tempo, um auxílio para permanecer em meditação, permitindo dar vida à função assimiladora, contida na repetição da Avé Maria, relativamente ao mistério de Cristo. Repetir o nome de Jesus – o único nome do qual se pode esperar a salvação (cf. Act 4, 12) – enlaçado com o da Mãe Santíssima, e de certo modo deixando que seja Ela própria a sugerir-no-lo, constitui um caminho de assimilação que quer fazer-nos penetrar cada vez mais profundamente na vida de Cristo.
Desta relação muito especial de Maria com Cristo, que faz d’Ela a Mãe de Deus, a Theotòkos, deriva a força da súplica com que nos dirigimos a Ela depois na segunda parte da oração, confiando à sua materna intercessão a nossa vida e a hora da nossa morte.
O “Glória”
34. A doxologia trinitária é a meta da contemplação cristã. De facto, Cristo é o caminho que nos conduz ao Pai no Espírito. Se percorrermos em profundidade este caminho, achamo-noscontinuamente na presença do mistério das três Pessoas divinas para As louvar, adorar, agradecer. É importante que o Glória, apogeu da contemplação, seja posto em grande evidência no Rosário. Na recitação pública, poder-se-ia cantar para dar a devida ênfase a esta perspectiva estrutural e qualificadora de toda a oração cristã.
Na medida em que a meditação do mistério tiver sido – de Avé Maria em Avé Maria – atenta, profunda, animada pelo amor de Cristo e por Maria, a glorificação trinitária de cada dezena, em vez de reduzir-se a uma rápida conclusão, adquirirá o seu justo tom contemplativo, quase elevando o espírito à altura do Paraíso e fazendo-nos reviver de certo modo a experiência do Tabor, antecipação da contemplação futura: « Que bom é estarmos aqui! » (Lc 9, 33).
A jaculatória final
35. Na prática corrente do Rosário, depois da doxologia trinitária diz-se uma jaculatória, que varia segundo os costumes. Sem diminuir em nada o valor de tais invocações, parece oportuno assinalar que a contemplação dos mistérios poderá manifestar melhor toda a sua fecundidade, se se tiver o cuidado de terminar cada um dos mistérios com uma oração para obter os frutos específicos da meditação desse mistério. Deste modo, o Rosário poderá exprimir com maior eficácia a sua ligação com a vida cristã. Isto mesmo no-lo sugere uma bela oração litúrgica, que nos convida a pedir para, através da meditação dos mistérios do Rosário, chegarmos a « imitar o que contêm e alcançar o que prometem ».38
Uma tal oração conclusiva poderá gozar, como acontece já, de uma legítima variedade na sua inspiração. Assim, o Rosário adquirirá uma fisionomia mais adaptada às diferentes tradições espirituais e às várias comunidades cristãs. Nesta perspectiva, é desejável que haja uma divulgação, com o devido discernimento pastoral, das propostas mais significativas, talvez experimentadas em centros e santuários marianos particularmente sensíveis à prática do Rosário, para que o Povo de Deus possa valer-se de toda a verdadeira riqueza espiritual, tirando dela alimento para a sua contemplação.
O terço
36. Um instrumento tradicional na recitação do Rosário é o terço. No seu uso mais superficial, reduz-se frequentemente a um simples meio para contar e registar a sucessão das Avé Marias. Mas, presta-se também a exprimir simbolismos, que podem conferir maior profundidade à contemplação.
A tal respeito, a primeira coisa a notar é como o terço converge para o Crucificado, que desta forma abre e fecha o próprio itinerário da oração. Em Cristo, está centrada a vida e a oração dos crentes. Tudo parte d’Ele, tudo tende para Ele, tudo por Ele, no Espírito Santo, chega ao Pai.
Como instrumento de contagem que assinala o avançar da oração, o terço evoca o caminho incessante da contemplação e da perfeição cristã. O Beato Bártolo Longo via-o também como uma “cadeia” que nos prende a Deus. Cadeia sim, mas uma doce cadeia; assim se apresenta sempre a relação com um Deus que é Pai. Cadeia “filial”, que nos coloca em sintonia com Maria, a « serva do Senhor » (Lc 1, 38), e em última instância com o próprio Cristo que, apesar de ser Deus, Se fez « servo » por nosso amor (Flp 2, 7).
É bom alargar o significado simbólico do terço também à nossa relação recíproca, recordando através dele o vínculo de comunhão e fraternidade que a todos nos une em Cristo.
Começo e conclusão
37. Segundo a praxe comum, são vários os modos de introduzir o Rosário nos distintos contextos eclesiais. Em algumas regiões, costuma-se iniciar com a invocação do Salmo 69/70: « Ó Deus, vinde em nosso auxílio; Senhor, socorrei-nos e salvai-nos », para de certo modo alimentar, na pessoa orante, a humilde certeza da sua própria indigência; ao contrário, noutros lugares começa-se com a recitação do Creio em Deus Pai, querendo de certo modo colocar a profissão de fé como fundamento do caminho contemplativo que se inicia. Estes e outros modos, na medida em que dispõem melhor à contemplação, são métodos igualmente legítimos. A recitação termina com a oração pelas intenções do Papa, para estender o olhar de quem reza ao amplo horizonte das necessidades eclesiais. Foi precisamente para encorajar esta perspectiva eclesial do Rosário que a Igreja quis enriquecê-lo com indulgências sagradas para quem o recitar com as devidas disposições.
Assim vivido, o Rosário torna-se verdadeiramente um caminho espiritual, onde Maria faz de mãe, mestra e guia, e apoia o fiel com a sua poderosa intercessão. Como admirar-se de que o espírito, no final desta oração em que teve a experiência íntima da maternidade de Maria, sinta a necessidade de se expandir em louvores à Virgem Santa, quer com a oração esplêndida da Salve Rainha, quer através das invocações da Ladainha Lauretana? É o remate dum caminho interior que levou o fiel ao contacto vivo com o mistério de Cristo e da sua Mãe Santíssima.
A distribuição no tempo
38. O Rosário pode ser recitado integralmente todos os dias, não faltando quem louvavelmente o faça. Acaba assim por encher de oração as jornadas de tantos contemplativos, ou servir de companhia a doentes e idosos que dispõem de tempo em abundância. Mas é óbvio – e isto vale com mais forte razão ao acrescentar-se o novo ciclo dos mysteria lucis – que muitos poderão recitar apenas uma parte, segundo uma determinada ordem semanal. Esta distribuição pela semana acaba por dar às sucessivas jornadas desta uma certa “cor” espiritual, de modo análogo ao que faz a Liturgia com as várias fases do ano litúrgico.
Segundo a prática corrente, a segunda e a quinta-feira são dedicadas aos “mistérios da alegria”, a terça e a sexta-feira aos “mistérios da dor”, a quarta-feira, o sábado e o domingo aos “mistérios da glória”. Onde se podem inserir os “mistérios da luz”? Atendendo a que os mistérios gloriosos são propostos em dois dias seguidos –sábado e domingo – e que o sábado é tradicionalmente um dia de intenso carácter mariano, parece recomendável deslocar para ele a segunda meditação semanal dos mistérios gozosos, nos quais está mais acentuada a presença de Maria. E assim fica livre a quinta-feira precisamente para a meditação dos mistérios da luz.
Esta indicação, porém, não pretende limitar uma certa liberdade de opção na meditação pessoal e comunitária, segundo as exigências espirituais e pastorais e sobretudo as coincidências litúrgicas que possam sugerir oportunas adaptações. Verdadeiramente importante é que o Rosário seja cada vez mais visto e sentido como itinerário contemplativo. Através dele, de modo complementar ao que se realiza na Liturgia, a semana do cristão, tendo o domingo – dia da ressurreição – por charneira, torna-se uma caminhada através dos mistérios da vida de Cristo, para que Ele Se afirme, na vida dos seus discípulos, como Senhor do tempo e da história.
CONCLUSÃO
« Rosário bendito de Maria, doce cadeia que nos prende a Deus »
39. Tudo o que foi dito até agora, manifesta amplamente a riqueza desta oração tradicional, que tem não só a simplicidade duma oração popular, mas também a profundidade teológica duma oração adaptada a quem sente a exigência duma contemplação mais madura.
A Igreja reconheceu sempre uma eficácia particular ao Rosário, confiando-lhe, mediante a sua recitação comunitária e a sua prática constante, as causas mais difíceis. Em momentos em que estivera ameaçada a própria cristandade, foi à força desta oração que se atribuiu a libertação do perigo, tendo a Virgem do Rosário sido saudada como propiciadora da salvação.
À eficácia desta oração, confio de bom grado hoje – como acenei ao princípio – a causa da paz no mundo e a causa da família.
A paz
40. As dificuldades que o horizonte mundial apresenta, neste início de novo milénio, levam-nos a pensar que só uma intervenção do Alto, capaz de orientar os corações daqueles que vivem em situações de conflito e de quantos regem os destinos das Nações, permite esperar num futuro menos sombrio.
O Rosário é, por natureza, uma oração orientada para a paz, precisamente porque consiste na contemplação de Cristo, Príncipe da paz e « nossa paz » (Ef 2, 14). Quem assimila o mistério de Cristo – e o Rosário visa isto mesmo – apreende o segredo da paz e dele faz um projecto de vida. Além disso, devido ao seu carácter meditativo com a serena sucessão das “Avé Marias”, exerce uma acção pacificadora sobre quem o reza, predispondo-o a receber e experimentar no mais fundo de si mesmo e a espalhar ao seu redor aquela paz verdadeira que é um dom especial do Ressuscitado (cf. Jo 14, 27; 20, 21).
Depois, o Rosário é oração de paz também pelos frutos de caridade que produz. Se for recitado devidamente como verdadeira oração meditativa, ao facilitar o encontro com Cristo nos mistérios não pode deixar de mostrar também o rosto de Cristo nos irmãos, sobretudo nos que mais sofrem. Como seria possível fixar nos mistérios gozosos o mistério do Menino nascido em Belém, sem sentir o desejo de acolher, defender e promover a vida, preocupando-se com o sofrimento das crianças nas diversas partes do mundo? Como se poderia seguir os passos de Cristo revelador, nos mistérios da luz, sem se empenhar a testemunhar as suas “bem-aventuranças” na vida diária? E como contemplar a Cristo carregado com a cruz ou crucificado, sem sentir a necessidade de se fazer seu “cireneu” em cada irmão abatido pela dor ou esmagado pelo desespero? Enfim, como se poderia fixar os olhos na glória de Cristo ressuscitado e em Maria coroada Rainha, sem desejar tornar este mundo mais belo, mais justo, mais conforme ao desígnio de Deus?
Em suma o Rosário, ao mesmo tempo que nos leva a fixar os olhos em Cristo, torna-nos também construtores da paz no mundo. Pelas suas características de petição insistente e comunitária, em sintonia com o convite de Cristo para « orar sempre, sem desfalecer » (Lc 18, 1), aquele permite-nos esperar que, também hoje, se possa vencer uma “batalha” tão difícil como é a da paz. Longe de constituir uma fuga dos problemas do mundo, o Rosário leva-nos assim a vê-los com olhar responsável e generoso, e alcança-nos a força de voltar para eles com a certeza da ajuda de Deus e o firme propósito de testemunhar em todas as circunstâncias « a caridade, que é o vínculo da perfeição » (Col 3, 14).
A família: os pais...
41. Oração pela paz, o Rosário foi desde sempre também oração da família e pela família. Outrora, esta oração era particularmente amada pelas famílias cristãs e favorecia certamente a sua união. É preciso não deixar perder esta preciosa herança. Importa voltar a rezar em família e pelas famílias, servindo-se ainda desta forma de oração.
Se, na Carta apostólica Novo millennio ineunte, encorajei a celebração da Liturgia da Horas pelos próprios leigos na vida ordinária das comunidades paroquiais e dos vários grupos cristãos,39 o mesmo desejo fazer quanto ao Rosário. Trata-se de dois caminhos, não alternativos mas complementares, da contemplação cristã. Peço, pois, a todos aqueles que se dedicam à pastoral das famílias para sugerirem com convicção a recitação do Rosário.
A família que reza unida, permanece unida. O Santo Rosário, por antiga tradição, presta-se de modo particular a ser uma oração onde a família se encontra. Os seus diversos membros, precisamente ao fixarem o olhar em Jesus, recuperam também a capacidade de se olharem sempre de novo olhos nos olhos para comunicarem, solidarizarem-se, perdoarem-se mutuamente, recomeçarem com um pacto de amor renovado pelo Espírito de Deus.
Muitos problemas das famílias contemporâneas, sobretudo nas sociedades economicamente evoluídas, derivam do facto de ser cada vez mais difícil comunicar. Não conseguem estar juntos, e os raros momentos para isso acabam infelizmente absorvidos pelas imagens duma televisão. Retomar a recitação do Rosário em família significa inserir na vida diária imagens bem diferentes – as do mistério que salva: a imagem do Redentor, a imagem de sua Mãe Santíssima. A família, que reza unida o Rosário, reproduz em certa medida o clima da casa de Nazaré: põe-se Jesus no centro, partilham-se com Ele alegrias e sofrimentos, colocam-se nas suas mãos necessidades e projectos, e d’Ele se recebe a esperança e a força para o caminho.
... e os filhos
42. É bom e frutuoso também confiar a esta oração o itinerário de crescimento dos filhos. Porventura não é o Rosário o itinerário da vida de Cristo, desde a sua concepção até à morte, ressurreição e glória? Hoje torna-se cada vez mais árdua para os pais a tarefa de seguirem os filhos pelas várias etapas da sua vida. Na sociedade da tecnologia avançada, dos mass-media e da globalização, tudo se tornou tão rápido; e a distância cultural entre as gerações é cada vez maior. Os apelos mais diversos e as experiências mais imprevisíveis cedo invadem a vida das crianças e adolescentes, e os pais sentem-se às vezes angustiados para fazer face aos riscos que aqueles correm. Não é raro experimentarem fortes desilusões, constatando a falência dos seus filhos perante a sedução da droga, o fascínio dum hedonismo desenfreado, as tentações da violência, as expressões mais variadas de falta de sentido e de desespero.
Rezar o Rosário pelos filhos e, mais ainda, com os filhos, educando-os desde tenra idade para este momento diário de “paragem orante” da família, não traz por certo a solução de todos os problemas, mas é uma ajuda espiritual que não se deve subestimar. Pode-se objectar que o Rosário parece uma oração pouco adaptada ao gosto das crianças e jovens de hoje. Mas a objecção parte talvez da forma muitas vezes pouco cuidada de o rezar. Ora, ressalvada a sua estrutura fundamental, nada impede que a recitação do Rosário para crianças e jovens, tanto em família como nos grupos, seja enriquecida com atractivos simbólicos e práticos, que favoreçam a sua compreensão e valorização. Por que não tentar? Uma pastoral juvenil sem descontos, apaixonada e criativa – as Jornadas Mundiais da Juventude deram-me a sua medida! – pode, com a ajuda de Deus, fazer coisas verdadeiramente significativas. Se o Rosário for bem apresentado, estou seguro de que os próprios jovens serão capazes de surpreender uma vez mais os adultos, assumindo esta oração e recitando-a com o entusiasmo típico da sua idade.
O Rosário, um tesouro a descobrir
43. Queridos irmãos e irmãs! Uma oração tão fácil e ao mesmo tempo tão rica merece verdadeiramente ser descoberta de novo pela comunidade cristã. Façamo-lo sobretudo neste ano, assumindo esta proposta como um reforço da linha traçada na Carta apostólica Novo millennio ineunte, na qual se inspiraram os planos pastorais de muitas Igrejas particulares ao programarem os seus compromissos a curto prazo.
Dirijo-me de modo particular a vós, amados Irmãos no Episcopado, sacerdotes e diáconos, e a vós, agentes pastorais nos diversos ministérios, pedindo que, experimentando pessoalmente a beleza do Rosário, vos torneis solícitos promotores do mesmo.
Também espero em vós, teólogos, para que desenvolvendo uma reflexão simultaneamente rigorosa e sapiencial, enraizada na Palavra de Deus e sensível à vida concreta do povo cristão, façais descobrir os fundamentos bíblicos, as riquezas espirituais, a validade pastoral desta oração tradicional.
Conto convosco, consagrados e consagradas, a título especial chamados a contemplar o rosto de Cristo na escola de Maria.
Penso em vós todos, irmãos e irmãs de qualquer condição, em vós, famílias cristãs, em vós, doentes e idosos, em vós, jovens: retomai confiadamente nas mãos o terço do Rosário, fazendo a sua descoberta à luz da Escritura, de harmonia com a Liturgia, no contexto da vida quotidiana.
Que este meu apelo não fique ignorado! No início do vigésimo quinto ano de Pontificado, entrego esta Carta apostólica nas mãos sapientes da Virgem Maria, prostrando-me em espírito diante da sua imagem venerada no Santuário esplêndido que Lhe edificou o Beato Bártolo Longo, apóstolo do Rosário. De bom grado, faço minhas as comoventes palavras com que ele conclui a célebre Súplica à Rainha do Santo Rosário: « Ó Rosário bendito de Maria, doce cadeia que nos prende a Deus, vínculo de amor que nos une aos Anjos, torre de salvação contra os assaltos do inferno, porto seguro no naufrágio geral, não te deixaremos nunca mais. Serás o nosso conforto na hora da agonia. Seja para ti o último beijo da vida que se apaga. E a última palavra dos nossos lábios há-de ser o vosso nome suave, ó Rainha do Rosário de Pompeia, ó nossa Mãe querida, ó Refúgio dos pecadores, ó Soberana consoladora dos tristes. Sede bendita em todo o lado, hoje e sempre, na terra e no céu ».
O Santo Rosário: Meditação e Contemplação
As Orações Iniciais: O Pórtico da Oração
Antes que a alma se adentre na contemplação dos sagrados mistérios, mister se faz que se prepare e se adorne, tal como a noiva que se atavia para encontrar o esposo. As orações iniciais do Santo Rosário não constituem um mero preâmbulo, mas um verdadeiro pórtico espiritual, um átrio sagrado onde o fiel se despoja das solicitudes do mundo e orienta todas as potências de sua alma para Deus. Constituem, pois, um ato preparatório indispensável (actus praeparatorius), pelo qual se busca a reta intenção (recta intentio) e se dispõe o coração à escuta e à meditação.
O Sinal da Cruz
O primeiro gesto do orante é o Sinal da Cruz40, pelo qual se professa, num só ato, os maiores mistérios de nossa fé. Ao traçar sobre nós o sinal do instrumento de nossa Redenção, confessamos a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ao pronunciar os nomes das Três Pessoas Divinas — Pai, Filho e Espírito Santo —, professamos nossa fé na Santíssima Trindade, fonte e fim de toda a vida cristã. Este gesto, portanto, é um sacramental de imenso poder; é a consignatio do cristão, a marca que o distingue do infiel e o arma contra as ciladas do demônio. É o selo sob o qual se coloca toda a oração que se segue.
Pelo sinal da Santa Cruz, livrai-nos, Deus, Nosso Senhor, dos nossos inimigos. Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
O Credo dos Apóstolos
Concluído o sinal, a alma professa a sua fé mediante o Símbolo dos Apóstolos. Como ensina o Doutor Angélico41, três coisas são necessárias à salvação: o saber o que se deve crer, o saber o que se deve desejar e o saber o que se deve praticar. O Credo contém, em suma, o primeiro e mais fundamental destes conhecimentos. É a regula fidei, a regra da fé, o sumário de todas as verdades que Deus nos revelou e que a Santa Igreja nos propõe para crer.
A tradição pia nos ensina que cada um dos doze Apóstolos, movido pelo Espírito Santo, compôs um de seus doze artigos antes que se dispersassem pelo mundo. Recitá-lo, pois, não é um ato meramente intelectual, mas um ato de adesão de toda a alma à Verdade Revelada. É o fundamento sobre o qual se edificará toda a estrutura da meditação dos mistérios.
Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra. E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo; nasceu da Virgem Maria; padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado. Desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos céus; está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo; na santa Igreja Católica; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição da carne; na vida eterna. Amém.
O Pai-Nosso
Uma vez professada a fé, o fiel se dirige a Deus com a oração que o próprio Filho de Deus nos ensinou. O Pai-Nosso, como expõe Santo Tomás42, é a mais perfeita de todas as orações. É perfeita, primeiro, por sua origem, pois foi composta por Aquele que é o nosso advogado junto ao Pai (1 Jo 2, 1) e o mais sábio de todos os pedintes. É perfeita, ademais, por conter em si as cinco qualidades de toda oração reta: é confiante, pois nos dirigimos a Deus como a um Pai; é reta, pois nela pedimos os bens que nos convêm; é ordenada, pois nela se prefere os bens espirituais aos materiais; é devota, pois nasce da caridade para com Deus e para com o próximo; e é humilde, pois nos reconhecemos devedores e necessitados do perdão. Ao rezá-lo no início do Rosário, a alma se coloca em filial disposição, pedindo as graças necessárias para bem meditar.
Pai Nosso que estais nos céus, santificado seja o vosso nome; venha a nós o vosso reino; seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje; perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido; e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém.
As Três Ave-Marias
Após a oração dominical, saúda-se a Virgem Santíssima por três vezes, pedindo-lhe o aumento das três virtudes teologais43: a Fé, a Esperança e a Caridade. Este ato se reveste de profunda significação teológica. Reconhecemos que, para contemplar os mistérios da vida de Cristo, nossa alma necessita ser elevada por estas virtudes, que têm a Deus por objeto direto. E a quem recorrer para obtê-las, senão Àquela que é a "Mãe da divina graça" e o mais perfeito modelo de fé, esperança e caridade? Pedimos, pois, que Ela, por sua intercessão, nos alcance do Pai a Fé, do Filho a Esperança e do Espírito Santo a Caridade.
Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém. (Reza-se três vezes)
O Glória ao Pai
Conclui-se o pórtico da oração com a doxologia trinitária. O "Glória ao Pai" é um ato de puro louvor e adoração à Santíssima Trindade44. Se as orações anteriores foram de profissão de fé e de súplica, esta última orienta toda a alma para o fim último de toda a criação: a glória de Deus. Ao afirmar que esta glória "era no princípio, agora e sempre", confessamos a eternidade e a imutabilidade de Deus, selando as nossas preces iniciais com o reconhecimento de Sua Majestade infinita, para a qual se ordenará toda a meditação que se segue.
Glória ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo. Assim como era no princípio, agora e sempre, e por todos os séculos dos séculos. Amém.
Os Mistérios Gozosos (Segundas-feiras e Sábados)
Os Mistérios Gozosos, ou da Alegria, constituem o primeiro ciclo de meditação do Santo Rosário. Neles, a alma contempla os acontecimentos seminais da Encarnação e da infância de Nosso Senhor Jesus Cristo. É a aurora da nossa salvação, o momento em que o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14). A virtude que perpassa todos estes mistérios é a da Santa Humildade, pois é pela aniquilação do Filho de Deus e pela submissão de Sua Mãe que o Céu desce à Terra.
Primeiro Mistério Gozoso: A Anunciação do Anjo a Nossa Senhora
Meditação: Neste primeiro mistério, a alma contempla o eixo sobre o qual gira toda a história da salvação: o instante em que o Arcanjo São Gabriel saúda a Virgem de Nazaré. A saudação angélica, como nota o Doutor Angélico, é inaudita. Nunca antes um anjo reverenciara uma criatura humana. O Ave do anjo, explica Santo Tomás, inverte o Vae de Eva; significa que Maria é isenta da maldição do pecado. Gratia plena, "cheia de graça", pois enquanto os anjos e os santos possuem a graça de modo particular, a Virgem a possui em plenitude universal, para si e para toda a humanidade. Dominus tecum, "o Senhor é convosco", não como está com os justos, por inhabitação, mas de um modo singularíssimo, pois d’Ela tomará a carne.
Diante do anúncio de que seria a Mãe de Deus, a Virgem Santíssima, em sua profundíssima humildade, se reconhece como Ecce ancilla Domini, "Eis a escrava do Senhor". Com seu fiat — "faça-se em mim segundo a vossa palavra" — Ela repara a desobediência de nossos primeiros pais e consente, em nome de toda a natureza humana, na Encarnação do Verbo. Por este ato, como ensina São Luís Maria de Montfort, a Sabedoria Eterna se fez dependente de uma criatura para realizar a sua obra, e a Virgem se tornou o Paraíso Terrestre do novo Adão, onde Ele encontrou suas delícias.
Fruto do Mistério: A humildade e o perfeito abandono à vontade de Deus.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Segundo Mistério Gozoso: A Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel
Meditação: A alma contempla aqui o primeiro ato missionário da Nova Aliança. A Virgem Maria, apenas concebido em seu seio o Verbo de Deus, não se fecha em si mesma, mas, movida por uma caridade ardente, atravessa as montanhas da Judeia para servir à sua prima Santa Isabel. Como observa São Luís de Montfort, Maria é o primeiro e mais perfeito apóstolo, pois não leva uma doutrina, mas leva o próprio Autor da Doutrina.
Ao chegar, sua saudação opera a santificação de João Batista no ventre de sua mãe. Isabel, iluminada pelo Espírito Santo, reconhece o mistério e exclama: Benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui, "Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre". Como explica Santo Tomás, Maria é bendita acima de todas as mulheres porque, por Ela, a maldição de Eva foi removida e a bênção foi restaurada. E bendito é o seu fruto, pois n’Ele se cumprem todas as bênçãos. Em resposta, a Virgem entoa o Magnificat, cântico de humildade e de exaltação das maravilhas que Deus operou n’Ela, tornando-se modelo de louvor para toda a Igreja.
Fruto do Mistério: A caridade fraterna e a alegria no serviço ao próximo.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Terceiro Mistério Gozoso: O Nascimento do Menino Jesus em Belém
Meditação: Contempla-se o Verbo feito carne, o Criador do universo reduzido à condição de uma frágil criança. O mistério se aprofunda no contraste entre a Majestade Divina e a extrema pobreza do cenário: não há lugar para Ele na hospedaria (Lc 2, 7). O Rei dos céus nasce num estábulo, seu berço é uma manjedoura, seus primeiros adoradores são humildes pastores. Esta pobreza, como ensinam os santos, não foi acidental, mas escolhida. Cristo, desde o seu nascimento, ensina o desapego dos bens terrenos e o amor à santa pobreza.
A alegria deste mistério, anunciada pelos Anjos como "uma grande alegria para todo o povo", não é a alegria ruidosa do mundo, mas uma alegria profunda e silenciosa, nascida da contemplação do Deus-Menino. É a alegria de Maria e de José, a alegria dos pastores e dos Magos, a alegria de uma alma que, no silêncio, encontra seu Salvador e, como nos inspira o Padre Pio, se aproxima do presépio com um coração purificado para sentir quão doce é amar a Deus feito Menino.
Fruto do Mistério: A pobreza de espírito, o desapego das riquezas e o amor à simplicidade.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Quarto Mistério Gozoso: A Apresentação do Menino Jesus no Templo
Meditação: Neste mistério, a alegria se mescla com o prenúncio da dor. A Sagrada Família, em ato de perfeita obediência à Lei de Moisés, apresenta o Menino no Templo. Aquele que é o Legislador se submete à lei; Aquela que é a Virgem Puríssima se submete ao rito da purificação. Ofertam-se duas rolas, o sacrifício dos pobres, renovando a lição de humildade e obediência.
No Templo, o santo velho Simeão, movido pelo Espírito, reconhece no Menino o "consolo de Israel" e a "luz para iluminar as nações". Em seu cântico, a alegria da salvação se manifesta. Contudo, suas palavras à Virgem Santíssima são proféticas e cortantes: "uma espada de dor transpassará a tua alma" (Lc 2, 35). A alegria da Apresentação é, pois, inseparável da oferta do sacrifício. Maria não oferece apenas seu Filho, mas oferece a si mesma em união com Ele para a Redenção do mundo. A espada da dor, aceita com fé, torna-se instrumento de corredênção.
Fruto do Mistério: A obediência, a pureza de corpo e de alma e a generosidade na oferta de si a Deus.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Quinto Mistério Gozoso: A Perda e o Reencontro do Menino Jesus no Templo
Meditação: A alma contempla aqui o único episódio que quebra o silêncio dos trinta anos da vida oculta de Jesus em Nazaré. É um mistério de angústia e de alegria. A dor de Maria e José, que por três dias buscam aflitos o Menino, reflete a angústia da alma que, por sua culpa ou tibieza, perde a presença sensível de Deus. Esta busca perseverante é modelo para todo cristão que se sente distante do Senhor.
O reencontro se dá no Templo, "entre os doutores, ouvindo-os e interrogando-os" (Lc 2, 46). Jesus, com apenas doze anos, manifesta sua Sabedoria Divina. À pergunta de sua Mãe, responde: "Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu Pai?". Nestas palavras, revela sua identidade e sua missão primordial, à qual até mesmo os vínculos familiares mais santos se subordinam. A alegria do reencontro é, para a alma, a alegria de reencontrar a Jesus na oração, na leitura das Escrituras, nos Sacramentos — na casa de Seu Pai — e de compreender que a união com Ele é o único bem necessário.
Fruto do Mistério: A graça de sempre buscar a Jesus e a alegria de encontrá-Lo na Casa de Deus.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Os Mistérios Luminosos (Quintas-feiras)
Instituídos pelo Sumo Pontífice São João Paulo II na Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae, os Mistérios da Luz vêm preencher o itinerário da contemplação cristã, inserindo-se entre a infância oculta e a dolorosa Paixão de Nosso Senhor. Nestes mistérios, a alma é convidada a fixar o olhar sobre a vida pública de Jesus, período em que o mistério de Cristo se manifesta de modo preclaro como mistério de luz. "Enquanto estou no mundo," diz o Senhor, "sou a luz do mundo" (Jo 9, 5). Cada um destes momentos é uma revelação do Reino já presente na pessoa mesma do Salvador; são teofanias em que a glória da Divindade refulge através do véu da humanidade.
Primeiro Mistério Luminoso: O Batismo de Jesus no Rio Jordão
Meditação: Contempla-se aqui a inauguração do ministério público de Nosso Senhor. Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, Ele mesmo isento de toda mancha, submete-se ao batismo de penitência de João. Neste ato de profunda humildade, como ensina o Doutor Angélico, Cristo não tinha necessidade de ser purificado, mas, ao entrar nas águas, santificou-as para que se tornassem para nós instrumento de regeneração. O Céu se abre, o Espírito Santo desce em forma de pomba e a voz do Pai se faz ouvir: "Este é o meu Filho amado, em quem ponho a minha complacência" (Mt 3, 17). É a primeira e manifesta teofania trinitária da Nova Aliança. O Pai testemunha o Filho; o Filho se submete à vontade do Pai; o Espírito Santo consagra o Filho para a sua missão. Ao meditar este mistério, o fiel é chamado a renovar as próprias promessas batismais, reconhecendo que, pelo Batismo, foi feito filho no Filho e templo do Espírito Santo.
Fruto do Mistério: A fidelidade às promessas do Batismo e a docilidade ao Espírito Santo.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Segundo Mistério Luminoso: A Auto-revelação de Jesus nas bodas de Caná
Meditação: Neste mistério, a alma contempla o início dos sinais de Jesus, operado pela intercessão de Sua Mãe Santíssima. Nas bodas de Caná, é Maria quem, com sua solicitude de Mãe, percebe a necessidade dos esposos: "Eles não têm mais vinho" (Jo 2, 3). Sua intervenção, de uma delicadeza e eficácia admiráveis, provoca a antecipação da "hora" de Jesus. A resposta de Cristo — "Mulher, que nos importa a nós? A minha hora ainda não chegou" — revela a ordem sobrenatural do plano da salvação, mas a fé inabalável da Virgem obtém o milagre.
Sua admoestação aos servos — "Fazei tudo o que ele vos disser" (Jo 2, 5) — constitui, como salienta São João Paulo II, a grande exortação mariana à Igreja de todos os tempos. Como ensina São Luís de Montfort, este episódio manifesta perfeitamente o ofício de Maria como Medianeira necessária e certa para se chegar a Jesus. É por Ela que Jesus começa a manifestar a sua glória e que os discípulos creem n’Ele. A alma aprende aqui a recorrer com confiança filial à intercessão de Maria, certa de que Ela apresentará as nossas necessidades ao seu Filho.
Fruto do Mistério: A confiança na intercessão de Maria e a obediência à palavra de Cristo.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Terceiro Mistério Luminoso: O Anúncio do Reino de Deus com o convite à conversão
Meditação: A contemplação se volta para a pregação de Cristo, que inaugura o seu ministério com o chamado à metanoia: "Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no Evangelho" (Mc 1, 15). Este Reino não é um domínio terreno, mas a presença de Deus que irrompe na história. Jesus anuncia-o com suas palavras e o torna presente com seus milagres e, sobretudo, com o seu ministério de misericórdia, perdoando os pecados e curando os males do corpo e da alma. Este anúncio exige uma decisão radical da parte do homem: a conversão do coração. Como adverte Santo Tomás, o homem deve orientar toda a sua vida para este fim último, submetendo sua vontade à de Deus. O Reino de Deus é, em primeiro lugar, um reino de justiça, paz e alegria no Espírito Santo.
Fruto do Mistério: A conversão do coração, o arrependimento dos pecados e o desejo do Reino de Deus.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Quarto Mistério Luminoso: A Transfiguração de Jesus no Monte Tabor
Meditação: Contempla-se o mistério da glória de Cristo, antecipada por um instante diante de Pedro, Tiago e João. No alto do monte, Jesus "transfigurou-se diante deles: o seu rosto brilhou como o sol e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz" (Mt 17, 2). A presença de Moisés e Elias significa que a Lei e os Profetas dão testemunho d’Ele, encontrando n’Ele o seu pleno cumprimento. Este vislumbre da glória celeste tem por fim fortalecer a fé dos Apóstolos para o escândalo da Cruz que se avizinha. A voz do Pai, que novamente se faz ouvir da nuvem luminosa, confirma a identidade divina de Jesus e ordena: "Escutai-O!". É um convite a penetrar no mistério de Cristo, a ver para além da humanidade sofredora a Divindade gloriosa.
Fruto do Mistério: O desejo da santidade, a escuta da voz de Deus e o fortalecimento da fé para as provações.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Quinto Mistério Luminoso: A Instituição da Eucaristia
Meditação: Neste mistério, a alma se prostra diante do ápice do amor de Deus. Na Última Ceia, na noite em que ia ser entregue, Nosso Senhor instituiu o Sacrifício Eucarístico de seu Corpo e de seu Sangue como memorial perene de sua Paixão e Morte. Ao dar-se como alimento, sob as espécies do pão e do vinho, Jesus manifesta um amor "até o fim" (Jo 13, 1), selando a Nova e Eterna Aliança. A Eucaristia é o mistério da fé por excelência, o sacramento do amor, o penhor da glória futura.
Como nos recorda o Tratado da Verdadeira Devoção, Maria, a Virgem feita Igreja, é o primeiro e mais perfeito tabernáculo; foi em seu seio puríssimo que o Verbo se fez Carne, e é por suas mãos imaculadas que a alma deve se preparar para recebê-l’O. Contemplar a Instituição da Eucaristia é contemplar o dom total de Cristo, que se faz nosso alimento para nos transformar em si mesmo.
Fruto do Mistério: A adoração e o amor à Santíssima Eucaristia, a gratidão pelo dom do sacerdócio e o desejo da comunhão frequente.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Os Mistérios Dolorosos (Terças e Sextas-feiras)
Se nos mistérios da alegria a alma contemplou a descida do Verbo à nossa humanidade, nos mistérios da dor ela adentra o âmago do sacrifício redentor. Aqui se desvela o preço de nossa salvação e a incomensurável caridade de Deus, que não poupou o seu próprio Filho (Rm 8, 32). Cada passo da Via Dolorosa é um remédio para as feridas de nossa alma, e cada gota do Preciosíssimo Sangue é um bálsamo que purifica e fortalece. A meditação destes mistérios exige um coração contrito, que reconheça no sofrimento de Cristo a consequência de seus próprios pecados. A virtude a ser buscada é a paciência heroica e a união dos nossos sofrimentos ao holocausto do Cordeiro, aos pés da Cruz, em companhia da Virgem das Dores, a Mater Dolorosa.
Primeiro Mistério Doloroso: A Agonia de Jesus no Horto das Oliveiras
Meditação: Contempla-se Nosso Senhor no Horto do Getsêmani. Após a Última Ceia, Ele se retira para orar, e sua alma começa a sentir uma tristeza mortal. Esta agonia não é mero temor humano diante da morte, mas uma angústia teândrica de profundidade insondável. Cristo, em sua presciência divina, vê diante de si a totalidade dos pecados da humanidade, desde a queda de Adão até o último dos tempos. Cada blasfêmia, cada impureza, cada ato de soberba e de injustiça se apresenta à sua alma santíssima, que, por amor, toma sobre si este peso esmagador. Como ensina o Padre Pio, é a amargura de ver a inutilidade de seu sacrifício para tantas almas que se perderão.
Em sua humanidade, Ele pede ao Pai: "Pai, se é possível, afasta de mim este cálice". Mas, em ato de perfeita submissão, acrescenta: "Contudo, não se faça a minha, mas a tua vontade" (Lc 22, 42). Nesta oração, Cristo repara a desobediência de Adão e ensina à alma o caminho da perfeita conformidade com o querer divino. O suor de sangue que d’Ele brota é a manifestação física de sua luta interior, o preço da reparação por nossa tibieza e falta de generosidade. Enquanto Ele agoniza, seus Apóstolos dormem, revelando a fraqueza humana que O deixa só em sua hora mais terrível.
Fruto do Mistério: A contrição sincera pelos pecados e a conformidade com a vontade de Deus.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Segundo Mistério Doloroso: A Flagelação de Jesus atado à coluna
Meditação: A alma contempla o corpo sagrado de Jesus, a quem os anjos adoram, sendo brutalmente atado a uma coluna e açoitado. Pilatos, em sua covardia, entrega o Inocente para ser flagelado, pensando com isso aplacar a fúria da multidão. O castigo, de uma crueldade extrema, rasga a carne do Salvador, fazendo jorrar o seu Preciosíssimo Sangue.
Santo Tomás de Aquino e os Doutores da Igreja ensinam que este tormento é, por excelência, o remédio para os pecados da carne. Cada golpe que Cristo recebe é uma reparação por nossa sensualidade, por nossa falta de mortificação, pela busca desordenada dos prazeres. O Verbo, em cuja pureza os anjos se espelham, permite que sua carne imaculada seja dilacerada para purificar a nossa, que tantas vezes fizemos instrumento de pecado. A meditação deste mistério deve inspirar na alma um profundo horror à impureza e um desejo ardente de custodiar o corpo como templo do Espírito Santo.
Fruto do Mistério: A mortificação dos sentidos e a virtude da santa pureza.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Terceiro Mistério Doloroso: A Coroação de espinhos
Meditação: Esgotada a crueldade sobre a carne, a malícia dos homens se volta para a dignidade real de Cristo. Neste mistério, a alma contempla a mais profunda das humilhações. Os soldados, em zombaria, tecem uma coroa de espinhos e a cravam na cabeça sagrada d’Aquele que é o Rei dos Reis. Cobrem-no com um manto de púrpura esfarrapado, colocam-lhe uma cana na mão a modo de cetro e, ajoelhando-se diante d’Ele, escarnecem: "Salve, Rei dos Judeus!".
Como ensina São Luís de Montfort, este tormento é a reparação pelos nossos pecados de soberba, de orgulho intelectual, de maus pensamentos e de busca das honras do mundo. Cristo, a Sabedoria Eterna, aceita ser tratado como um rei de comédia para nos curar da loucura do orgulho. É neste estado, como nota São João Paulo II, que Pilatos O apresenta ao povo com as palavras: Ecce Homo! — "Eis o Homem!". Na figura desfigurada do Salvador, revela-se a dignidade do homem e a loucura do amor de Deus.
Fruto do Mistério: O desprezo do orgulho e das vaidades do mundo, e a coragem moral.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Quarto Mistério Doloroso: Jesus carregando a cruz para o Calvário
Meditação: Contempla-se Cristo, condenado à morte, recebendo sobre seus ombros chagados o pesado lenho da Cruz. Este não é apenas um instrumento de suplício, mas o peso de todos os nossos pecados, que Ele voluntariamente carrega. O caminho para o Calvário é uma procissão de dor e de amor.
A alma deve meditar nas três quedas do Salvador sob o peso da Cruz, que simbolizam nossas recaídas no pecado, mas também sua força divina para se reerguer e continuar. Contempla-se o encontro com Sua Mãe Dolorosa, um encontro de corações transpassados pela mesma espada de dor. Medita-se sobre o auxílio de Simão de Cirene, que, embora forçado, partilha do fardo de Cristo, ensinando-nos que a aceitação de nossas cruzes diárias nos une à Paixão do Senhor. Contempla-se o gesto piedoso de Verônica, que enxuga o rosto de Jesus e recebe, como prêmio, a imagem da Sagrada Face, mostrando que nenhum ato de compaixão fica sem recompensa.
Fruto do Mistério: A paciência nas tribulações e a fortaleza para carregar a nossa cruz de cada dia.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Quinto Mistério Doloroso: A Crucificação e Morte de Jesus
Meditação: Chega-se ao cume do Calvário e ao cume do sacrifício. A alma contempla Jesus sendo despido de suas vestes, que se colaram às suas chagas, renovando todos os seus tormentos. É pregado na Cruz com cravos cruéis. Erguido entre o céu e a terra, torna-se o único Mediador. Suas Sete Palavras na Cruz são seu testamento de amor: perdoa seus algozes, promete o Paraíso ao bom ladrão, entrega-nos sua Mãe, experimenta o desamparo, manifesta sua sede, proclama que tudo está consumado e, por fim, entrega seu espírito nas mãos do Pai.
Aos pés da Cruz está a Virgem Maria, de pé (Stabat Mater), em ato de fé inabalável e de compaixão heroica. Ela une o sacrifício de seu coração ao sacrifício de seu Filho, tornando-se a Corredentora do gênero humano. Após a morte de Jesus, seu lado é transpassado pela lança, de onde jorram sangue e água, fontes dos sacramentos e símbolo do nascimento da Igreja. A contemplação da morte de Cristo deve gerar na alma o horror supremo ao pecado, que foi a sua causa, e um amor sem limites Àquele que tanto nos amou.
Fruto do Mistério: O amor a Deus, a conversão dos pecadores e a graça de uma santa morte.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Os Mistérios Gloriosos (Quartas-feiras e Domingos)
Os Mistérios Gloriosos constituem o ápice da contemplação do Rosário, pois neles a alma se eleva, para além da dor do Calvário, à glória da Ressurreição e do Céu. Se nos mistérios gozosos se medita na Encarnação e nos dolorosos na Redenção, nos gloriosos se contempla a santificação e a glória, que são o fim último de toda a obra de Cristo. São os mistérios da esperança triunfante, que nos abrem a perspectiva da vida eterna e da união definitiva com Deus. Neles, a alma se une à alegria da Igreja Triunfante e vislumbra o destino para o qual foi criada.
Primeiro Mistério Glorioso: A Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo
Meditação: A alma contempla aqui o fundamento de nossa fé: "Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa pregação, e vã é também a vossa fé" (1 Cor 15, 14). Ao terceiro dia, a alma de Cristo, vitoriosa, une-se novamente ao seu Corpo Sacratíssimo no sepulcro. A terra treme, a pedra do sepulcro é removida, e Cristo surge glorioso, imortal, impassível. É o triunfo definitivo sobre a morte, o pecado e o demônio. A Ressurreição não é um mero retorno à vida terrena, como a de Lázaro, mas a passagem para um novo estado de existência glorificada, primícias de nossa própria ressurreição.
Contempla-se a alegria indizível da Virgem Santíssima, a primeira a quem, segundo uma pia e antiga tradição, Nosso Senhor apareceu. É a alegria da Mãe que reencontra o Filho vitorioso, a alegria que coroa e transfigura todas as dores da Paixão. Contempla-se a alegria dos Apóstolos, que passam da tristeza ao júbilo, do medo à fé ardente. A Ressurreição é o selo divino que autentica toda a vida e a doutrina de Cristo, a prova irrefutável de sua divindade.
Fruto do Mistério: A virtude da Fé.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Segundo Mistério Glorioso: A Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo ao Céu
Meditação: Quarenta dias após a Ressurreição, Cristo, após ter instruído os seus Apóstolos, eleva-se ao Céu por seu próprio poder, para sentar-se à direita de Deus Pai. A Ascensão não é um abandono, mas uma nova forma de presença. Ele vai, como prometera, preparar-nos um lugar (Jo 14, 2) e se torna nosso perpétuo intercessor junto ao Pai. Ele é a nossa Cabeça que precede os membros; ao subir para a glória, atrai-nos para o alto, infundindo em nossos corações o desejo das coisas celestes.
A alma contempla a Virgem Maria e os Apóstolos que, com os olhos fitos no céu, passam da tristeza da separação física à alegria da esperança. Eles compreendem que a missão de Cristo na terra está cumprida e que a deles está para começar. A nuvem que O oculta aos seus olhos (At 1, 9) simboliza o mistério da fé, pela qual agora devemos caminhar, e a promessa do Espírito Santo, que virá para os consolar e fortalecer. A Ascensão firma em nós a certeza de que nossa pátria não é deste mundo e de que nossa vida deve ser uma contínua peregrinação em direção ao Céu.
Fruto do Mistério: A virtude da Esperança e o desejo do Céu.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Terceiro Mistério Glorioso: A Vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos
Meditação: Contempla-se o nascimento público da Igreja. Reunidos no Cenáculo em oração, perseverando unanimemente com Maria, a Mãe de Jesus (At 1, 14), os Apóstolos recebem o Espírito Santo. Ele desce sob a forma de línguas de fogo, significando a caridade ardente e a sabedoria divina com que os investe para a missão de evangelizar o mundo. Aqueles que antes eram tímidos e medrosos, trancados "por medo dos judeus", são transformados em testemunhas intrépidas de Cristo Ressuscitado.
Neste mistério, a Virgem Santíssima exerce de modo eminente sua maternidade espiritual sobre a Igreja nascente. Se pela primeira vez Ela concebeu Cristo em seu seio por obra do Espírito Santo, agora, no Cenáculo, por suas orações, obtém que o mesmo Espírito desça sobre o Corpo Místico de seu Filho. Ela é, como ensinam os Santos Doutores, a Medianeira de todas as graças e a Dispensadora dos dons do Espírito Santo. Ao meditar este mistério, a alma pede a graça de ser dócil às inspirações do Paráclito e de se tornar um instrumento fiel para a glória de Deus.
Fruto do Mistério: A virtude da Caridade, os dons do Espírito Santo e o zelo apostólico.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Quarto Mistério Glorioso: A Assunção de Nossa Senhora ao Céu
Meditação: A alma contempla o privilégio singular concedido à Mãe de Deus de ser elevada ao Céu em corpo e alma. Era conveniente que Aquela que não conheceu a mancha do pecado original não conhecesse a corrupção do sepulcro. Seu corpo, tabernáculo puríssimo do Verbo Encarnado, não podia ser entregue ao poder da morte. A Assunção é, pois, a consequência lógica de sua Imaculada Conceição e de sua Maternidade Divina.
Para nós, a Assunção de Maria é um sinal de esperança certíssima. Ela é a primeira criatura humana a participar plenamente da glória da Ressurreição de Cristo, antecipando o destino que nos está reservado. Ao contemplar a Virgem elevada aos céus, nossa esperança na ressurreição da carne e na vida eterna se fortalece. Compreendemos que, se nos mantivermos unidos a Cristo por meio d’Ela, também nós seremos um dia levados para a glória do Pai. É o triunfo da nova Eva sobre a antiga serpente.
Fruto do Mistério: A graça da boa morte e a devoção filial a Maria.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Quinto Mistério Glorioso: A Coroação de Nossa Senhora como Rainha do Céu e da Terra
Meditação: Neste último mistério, a alma se une à Igreja Triunfante para contemplar a exaltação suprema da Virgem Santíssima. Elevada acima de todos os coros angélicos e de todos os santos, Ela é coroada pela Santíssima Trindade como Rainha universal. Sua realeza não é apenas de honra, mas de poder. A Ela, como ensina São Luís de Montfort, foi dado todo o poder no céu e na terra para dispensar as graças que seu Filho adquiriu.
Ela é Rainha por ser Mãe do Rei dos reis. Ela é Rainha dos Mártires, pois sofreu com Cristo; Rainha dos Confessores, pois viveu a fé heroicamente; Rainha das Virgens, por sua pureza sem par; Rainha de todos os Santos, pois nela se encontram todas as virtudes em grau eminente. É nossa Rainha e nossa Mãe, advogada poderosa e refúgio seguro. Ao meditar sua Coroação, a alma se enche de confiança, consagrando-se inteiramente ao seu serviço, na certeza de que reinar com Ela no Céu é servir a Cristo na terra.
Fruto do Mistério: A perseverança na graça e a confiança na intercessão de Maria.
Pai Nosso...
10 Ave Marias...
Glória ao Pai...
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem.
As Orações Finais: Conclusão e Súplica
Concluída a meditação dos mistérios, a alma não se retira abruptamente, mas, à semelhança daquele que se despede de um rei, o faz com atos de reverência, súplica e louvor. As orações finais do Santo Rosário constituem o epílogo da contemplação, o momento em que se colhem os frutos espirituais da meditação e se confia à intercessão da Virgem Santíssima as necessidades da Igreja e as próprias.
A Salve-Rainha
Meditação: Esta antífona, venerável por sua antiguidade e profundidade teológica, é o clamor do povo de Deus peregrino na terra. Ela sintetiza a condição do homem após a Queda e sua confiança na mediação de Maria.
Salve, Regina, Mater misericordiae: Saudamo-la como Rainha, não por um poder que lhe seja próprio, mas por ser Mãe do Rei do universo. Sua realeza é participação na de Cristo. E é uma realeza de misericórdia, pois, como ensina São Luís de Montfort, se o Filho reina na justiça, a Mãe reina na misericórdia, aplacando a ira divina e alcançando-nos o perdão.
Vita, dulcedo, et spes nostra, salve: Invocamo-la com três títulos que lhe são próprios por sua relação com a Santíssima Trindade. É Vita, pois gerou para nós Jesus, que é a Vida (Jo 14, 6). É dulcedo, pois sua intercessão torna suave o jugo de Cristo e tempera as amarguras deste exílio. É spes nostra, pois, na noite desta vida, Ela é a Estrela do Mar (Stella Maris) que nos guia seguro ao porto da salvação.
Ad te bradamus, exsules, filii Hevae... gementes et flentes in hac lacrimarum valle: Reconhecemo-nos como o que somos: exilados, filhos de Eva, degredados neste vale de lágrimas. A oração não parte da presunção, mas da consciência de nossa miséria e de nosso estado de peregrinos, longe da pátria celeste.
Eia, ergo, advocata nostra...: Professamos a sua mediação. Maria é nossa Advogada junto ao Medianeiro, Jesus Cristo. Ela não nos desvia de Cristo; ao contrário, como advogada perfeitíssima, apresenta nossas pobres causas ao Sumo Juiz, revestindo-as com seus próprios méritos.
...illos tuos misericordes oculos ad nos converte: Pedimos o seu olhar. O olhar de Maria purifica, consola e protege. É o olhar materno que afugenta os demônios e nos fortalece nas tentações.
Et Iesum, benedictum fructum ventris tui, nobis post hoc exsilium ostende: Aqui reside o fim de toda a devoção mariana. O que pedimos, em última análise, não é a visão da própria Virgem, mas que Ela, após este exílio, nos mostre Jesus. O Rosário, como a Salve-Rainha, é um caminho que, por Maria, nos conduz a Cristo.
Salve, Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve! A vós bradamos, os degredados filhos de Eva; a vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei; e depois deste desterro, mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria. Rogai por nós, santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas de Cristo. Amém.
A Ladainha de Nossa Senhora
Meditação: A Ladainha Lauretana, assim denominada por sua difusão a partir do Santuário de Loreto, é como uma coroa de louvores, uma tapeçaria tecida com os títulos mais insignes que a piedade cristã, ao longo dos séculos, atribuiu à Virgem Santíssima. Cada invocação é um dardo de amor e uma profissão de fé nas prerrogativas da Mãe de Deus.
A estrutura da Ladainha possui uma ordem lógica e teológica. Inicia-se com a súplica à Santíssima Trindade, fundamento de tudo, para depois invocar Maria em sua identidade mais essencial: Santa Maria, Santa Mãe de Deus, Santa Virgem das Virgens. Seguem-se os títulos referentes à sua Maternidade Divina e espiritual (Mãe de Cristo, Mãe da divina graça...). Depois, os que exaltam a sua Virgindade perpétua e perfeita (Virgem prudentíssima, Virgem venerável...).
Em seguida, a Igreja A invoca com os grandes símbolos vétero-testamentários que os Santos Padres aplicaram a Ela por analogia: Espelho de justiça, porque n’Ela a santidade de Deus se reflete sem mancha; Sede da Sabedoria, pois em seu seio habitou a Sabedoria Encarnada; Arca da Aliança, pois conteve Aquele que é a Nova e Eterna Aliança; Porta do Céu, por quem o Salvador entrou no mundo e por quem nós entramos na glória; Estrela da manhã, que anuncia o Sol da Justiça.
Por fim, a Ladainha enumera seus títulos enquanto refúgio e auxílio dos fiéis (Saúde dos enfermos, Refúgio dos pecadores...) e sua realeza universal (Rainha dos Anjos, dos Patriarcas, dos Profetas...). Cada título é matéria para profunda meditação e um convite a imitar as virtudes que eles encerram. A Ladainha, portanto, é uma escola de Mariologia em forma de oração.
Senhor, tende piedade de nós.
Jesus Cristo, tende piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós.
Jesus Cristo, ouvi-nos.
Jesus Cristo, atendei-nos.
Deus Pai dos céus, tende piedade de nós.
Deus Filho, Redentor do mundo, tende piedade de nós.
Deus Espírito Santo, tende piedade de nós.
Santíssima Trindade, que sois um só Deus, tende piedade de nós.
Santa Maria, rogai por nós.
Santa Mãe de Deus, rogai por nós.
Santa Virgem das Virgens,
Mãe de Cristo,
Mãe da Igreja,
Mãe da divina graça,
Mãe puríssima,
Mãe castíssima,
Mãe sempre virgem,
Mãe imaculada,
Mãe amável,
Mãe admirável,
Mãe do bom conselho,
Mãe do Criador,
Mãe do Salvador,
Virgem prudentíssima,
Virgem venerável,
Virgem louvável,
Virgem poderosa,
Virgem clemente,
Virgem fiel,
Espelho de justiça,
Sede da sabedoria,
Causa da nossa alegria,
Vaso espiritual,
Vaso honorífico,
Vaso insigne de devoção,
Rosa mística,
Torre de Davi,
Torre de marfim,
Casa de ouro,
Arca da aliança,
Porta do céu,
Estrela da manhã,
Saúde dos enfermos,
Refúgio dos pecadores,
Consoladora dos aflitos,
Auxílio dos cristãos,
Rainha dos Anjos,
Rainha dos Patriarcas,
Rainha dos Profetas,
Rainha dos Apóstolos,
Rainha dos Mártires,
Rainha dos Confessores,
Rainha das Virgens,
Rainha de todos os Santos,
Rainha concebida sem pecado original,
Rainha assunta ao céu,
Rainha do Santo Rosário,
Rainha da paz.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, perdoai-nos, Senhor.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, ouvi-nos, Senhor.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós.
V. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus.
R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.
Oração Final
Meditação: A oração final do Rosário, conhecida como a Coleta da Missa de Nossa Senhora do Rosário, funciona como o selo litúrgico de todo o exercício. Ela resume, de modo admirável, o duplo fruto que se busca na meditação dos mistérios: a imitação das virtudes e a obtenção das promessas.
“...ut haec mysteria... recolentes...” (“...que, meditando estes mistérios...”). A primeira parte reafirma o ato central do Rosário: a recordação contemplativa (recolere) dos mistérios da vida, morte e ressurreição de Cristo.
“...et quod continent imitemur...” (“...imitemos o que eles contêm...”). Aqui se enuncia o fruto ascético e moral da oração. Não se trata de uma mera recordação histórica, mas de um exercício que move a vontade à imitação das virtudes de Cristo e de Maria: a humildade da Encarnação, a paciência da Paixão, a esperança da Ressurreição.
“...et quod promittunt assequamur.” (“...e alcancemos o que eles prometem.”). Esta é a súplica pelo fruto místico e escatológico. O que os mistérios prometem é a graça nesta vida e a glória eterna na futura. Pela meditação e imitação, a alma se torna apta a receber as graças prometidas por Nosso Senhor àqueles que O seguem.
Deste modo, a oração encerra o Rosário ligando perfeitamente a contemplação à vida, a oração à ação, e a via terrena à pátria celeste.
Oremos. Deus, cujo Filho Unigênito, por sua vida, morte e ressurreição, nos obteve o prêmio da salvação eterna, concedei-nos, nós Vo-lo pedimos, que, meditando estes mistérios do Sacratíssimo Rosário da Bem-Aventurada Virgem Maria, imitemos o que eles contêm e alcancemos o que eles prometem. Pelo mesmo Cristo, Senhor Nosso. Amém.
Apêndice: A Prática da Vida de Oração
Dicas Práticas para o Estudante
Retomo agora, caríssimo, a linguagem mais direta de nosso proêmio, pois, se até aqui te expus a doutrina, cumpre-me agora guiar-te na prática. A oração do Santo Rosário, como toda arte, exige não somente o conhecimento de sua matéria e forma, mas também a reta disposição do artista. A alma que reza é um artífice, e as Ave-Marias são os golpes de cinzel com que esculpe em si a imagem de Cristo.
Da Disposição Interior
Antes de tomares o terço em tuas mãos, toma a tua alma. Examina-a. A oração que brota de um coração soberbo ou distraído é como a oferta de Caim: não sobe a Deus. É mister, pois, que te aproximes deste santo exercício com humildade, reconhecendo tua miséria e tua total dependência da graça divina. Reza com fé, não buscando consolações sensíveis, que são doces acidentes, mas a união com Deus, que é a substância da vida espiritual. E, por fim, reza com perseverança. O demônio, que odeia esta oração mais que qualquer outra, suscitará em ti o tédio, a secura e mil importunas distrações. Não desanimes! A luta contra a distração, quando travada com diligência, é em si mesma uma oração agradável a Deus. Como um soldado fiel que não abandona seu posto, permanece firme na oração, ainda que o campo de tua mente pareça árido e estéril.
Da Postura e do Lugar
O homem, caro amigo, é composto de alma e corpo; e o que a alma sente, o corpo deve expressar. A postura na oração não é indiferente. Ajoelhar-se, quando possível, é o gesto que melhor exprime a adoração, a penitência e a súplica da criatura diante do Criador. Contudo, a caridade e a necessidade se sobrepõem à regra. Se a enfermidade te aflige ou se a viagem te impõe, reza como podes: sentado, de pé, caminhando. Deus perscruta o coração, e a reta intenção santifica o ato.
Busca, se te for possível, um lugar retirado: um oratório, a igreja, ou um recanto silencioso em tua casa. O silêncio exterior favorece a quietude interior. Cria para ti um "santuário", um espaço sagrado onde possas, a cada dia, encontrar-te com Deus e Sua Mãe Santíssima.
Do Tempo e do Ritmo
A constância é a mãe das virtudes. Mais vale um Terço bem rezado a cada dia do que um Rosário completo rezado uma vez por mês com fastio. Estabelece uma hora para tua oração, um compromisso sagrado em tua rotina diária. A fidelidade no pouco te alcançará a graça do muito. Não te apresses a terminar, como quem se livra de um fardo. Cada Ave-Maria é uma rosa que ofereces à Virgem. Lança-la-ias com displicência a teus pés? Pronuncia cada palavra com calma e devoção, fazendo pausas, como te ensinamos. Medita cada mistério. O Rosário é uma escada; não se sobe por ela aos saltos, mas degrau por degrau.
Leituras Sugeridas para Aprofundamento
O estudo diligente é o óleo que alimenta a chama da oração. Para que a meditação dos mistérios não se torne estéril, mas se enriqueça com a seiva da Tradição, o Consortium Doctrinae sugere as seguintes obras, que devem ser não meramente lidas, mas ruminadas em espírito de oração (lectio divina).
Catena Aurea, de Santo Tomás de Aquino. Obra monumental em que o Doutor Angélico compila, versículo por versículo, os comentários dos Santos Padres sobre os quatro Evangelhos. Constitui um tesouro inestimável para a meditação, pois permite ao orante contemplar cada mistério do Rosário com os olhos de Santo Agostinho, São João Crisóstomo, Santo Ambrósio, São Jerônimo e tantos outros luminares da Igreja. É o método por excelência para se unir à democracia dos mortos e rezar com a mente de toda a Patrística.
O Segredo Admirável do Santíssimo Rosário, de São Luís Maria Grignion de Montfort. É o manual clássico e indispensável para quem deseja compreender a potência e a profundidade desta devoção. Com uma linguagem acessível, mas de grande unção, o santo missionário expõe a origem, as graças, as indulgências e os métodos para bem rezar o Rosário. Seus exemplos e histórias movem o coração e inflamam a vontade de abraçar esta "arma terrível contra o inferno".
Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luís Maria Grignion de Montfort. Embora não se restrinja ao Rosário, esta obra oferece o fundamento teológico para toda a espiritualidade mariana aqui proposta. Explica por que a Virgem Santíssima é o caminho "fácil, curto, perfeito e seguro" para se chegar a Jesus Cristo. O Rosário, nesse contexto, revela-se como a prática por excelência da "santa escravidão de amor", o meio pelo qual se vive concretamente a consagração a Jesus pelas mãos de Maria.
Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae, de São João Paulo II. Documento magisterial que norteia este opúsculo. Sua leitura e estudo são obrigatórios para compreender o lugar do Rosário na vida da Igreja no terceiro milênio. O Papa, com profundidade e clareza, reafirma o caráter cristológico da oração, introduz os Mistérios da Luz e apresenta o Rosário como um caminho de contemplação do rosto de Cristo e uma prece pela paz e pela família.
O Rosário Meditado de São Luís Maria Grignion de Montfort
Para auxiliar a alma a combater as distrações e a aprofundar-se na contemplação, São Luís Maria Grignion de Montfort propõe um método simples e eficacíssimo. Consiste em acrescentar, após o nome de Jesus em cada Ave-Maria, uma cláusula que evoca o mistério que se está meditando. Deste modo, a mente é constantemente reconduzida ao seu objeto, e a saudação angélica se une de modo mais explícito ao mistério da vida de Cristo.
Exemplo para o Primeiro Mistério Gozoso (A Anunciação):
Pai Nosso...
Ave Maria... e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus Encarnado.
Ave Maria... e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus Encarnado.
(E assim por diante, nas dez Ave-Marias).
A seguir, apresentam-se as cláusulas para todos os mistérios, conforme a tradição montfortiana.
Mistérios Gozosos
1º Mistério: ...Jesus Encarnado.
2º Mistério: ...Jesus Santificador.
3º Mistério: ...Jesus nascido na pobreza.
4º Mistério: ...Jesus sacrificado.
5º Mistério: ...Jesus Santo entre os santos.
Mistérios Luminosos
1º Mistério: ...Jesus batizado no Jordão.
2º Mistério: ...Jesus que se revelou nas bodas de Caná.
3º Mistério: ...Jesus que anunciou o Reino de Deus.
4º Mistério: ...Jesus Transfigurado.
5º Mistério: ...Jesus que instituiu a Eucaristia.
Mistérios Dolorosos
1º Mistério: ...Jesus agonizante no Horto.
2º Mistério: ...Jesus flagelado.
3º Mistério: ...Jesus coroado de espinhos.
4º Mistério: ...Jesus carregando a Cruz.
5º Mistério: ...Jesus crucificado.
Mistérios Gloriosos
1º Mistério: ...Jesus Ressuscitado.
2º Mistério: ...Jesus que subiu ao Céu.
3º Mistério: ...Jesus que nos enviou o Espírito Santo.
4º Mistério: ...Jesus que vos elevou ao Céu.
5º Mistério: ...Jesus que vos coroou no Céu.
Ato de Consagração a Jesus Cristo, a Sabedoria Encarnada, pelas Mãos de Maria
O caminho espiritual proposto por São Luís de Montfort, e que o Santo Rosário nos ajuda a trilhar, culmina no ato de total entrega a Jesus por meio de Maria. Esta consagração é a mais perfeita renovação das promessas do Batismo. Por ela, o fiel se entrega sem reservas, como escravo de amor, para pertencer mais perfeitamente a Cristo. Apresenta-se aqui o texto completo, para que seja rezado com devoção, preferencialmente após um período de preparação.
Ato de Consagração
Ó Sabedoria eterna e incarnada! Ó amabilíssimo e adorável Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, unigênito Filho do eterno Padre, e da sempre Virgem Maria, adoro-vos profundamente no seio e nos esplendores de vosso Pai, durante a eternidade, e no seio virginal de Maria, vossa Mãe digníssima, no tempo de vossa encarnação.
Eu vos dou graças por vos terdes aniquilado a vós mesmo, tomando a forma de escravo, para livrar-me do cruel cativeiro do demônio. Eu vos louvo e glorifico por vos terdes querido submeter a Maria, vossa Mãe santíssima, em todas as coisas, a fim de por ela tornar-me vosso fiel escravo.
Mas, ai de mim, criatura ingrata e infiel! Não cumpri as promessas que vos fiz solenemente no batismo. Não cumpri com minhas obrigações; não mereço ser chamado vosso filho nem vosso escravo, e, como nada há em mim que de vós não tenha merecido repulsa e cólera, não ouso aproximar-me por mim mesmo de vossa santíssima e augustíssima majestade. É por esta razão que recorro à intercessão de vossa Mãe santíssima, que me destes por medianeira junto a vós, e é por este meio que espero obter de vós a contrição e o perdão de meus pecados, a aquisição e conservação da sabedoria.
Ave, pois, ó Maria Imaculada, tabernáculo vivo da Divindade, onde a eterna Sabedoria escondida quer ser adorada pelos anjos e pelos homens!
Ave, ó Rainha do céu e da terra, a cujo império é submetido tudo o que está abaixo de Deus!
Ave, ó seguro refúgio dos pecadores, cuja misericórdia a ninguém falece! Atendei ao desejo que tenho da divina Sabedoria, e recebei, para este fim, os votos e as oferendas, apresentadas pela minha baixeza.
Eu, N..., infiel pecador, renovo e ratifico hoje, em vossas mãos, os votos do batismo. Renuncio para sempre a satanás, suas pompas e suas obras, e dou-me inteiramente a Jesus Cristo, Sabedoria incarnada, para segui-lo levando minha cruz, em todos os dias de minha vida. E, a fim de lhe ser mais fiel do que até agora tenho sido, escolho-vos neste dia, ó Maria santíssima, em presença de toda a corte celeste, para minha Mãe e minha Senhora.
Entrego-vos e consagro-vos, na qualidade de escravo, meu corpo e minha alma, meus bens interiores e exteriores, e até o valor de minhas obras boas passadas, presentes e futuras, deixando-vos direito pleno e inteiro de dispor de mim e de tudo o que me pertence, sem exceção, a vosso gosto, para maior glória de Deus, no tempo e na eternidade. Recebei, ó benigníssima Virgem, esta pequena oferenda de minha escravidão, em união e em honra à submissão que a Sabedoria Eterna quis ter à vossa maternidade; em homenagem ao poder que tendes ambos sobre este vermezinho e miserável pecador; em ação de graças pelos privilégios com que vos favoreceu a santíssima Trindade. Protesto que quero, doravante, como vosso verdadeiro escravo, buscar vossa honra e obedecer-vos em todas as coisas.
Ó Mãe admirável, apresentai-me a vosso amado Filho, na qualidade de escravo perpétuo, para que, tendo-me remido por vós, por vós também me receba favoravelmente. Ó Mãe de misericórdia, concedei-me a graça de obter a verdadeira Sabedoria de Deus, e de colocar-me, para este fim, no número daqueles a quem amais, ensinais, guiais, sustentais e protegeis como filhos e escravos.
Ó Virgem fiel, tornai-me em todos os pontos um tão perfeito discípulo, imitador e escravo da Sabedoria incarnada, Jesus Cristo, vosso Filho, que eu chegue um dia, por vossa intercessão e a vosso exemplo, à plenitude de sua idade na terra e de sua glória nos céus.
Assim seja.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 45.↩︎
Cf. Paulo VI, Exort. ap. Marialis cultus (2 de Fevereiro de 1974), 42: AAS 66 (1974), 153.↩︎
Cf. Acta Leonis XIII, 3 (1884), 280-289.↩︎
De modo particular, merece menção a sua Epístola apostólica sobre o Rosário « O encontro religioso », de 29 de Setembro de 1961: AAS 53 (1961), 641-647.↩︎
Alocução do « Angelus »: L’Osservatore Romano (ed. portuguesa: 5 de Novembro de 1978), 1.↩︎
Cf. n. 29: AAS 93 (2001), 285.↩︎
João XXIII, nos anos de preparação do Concílio, não deixou de convidar a comunidade cristã à recitação do Rosário pelo sucesso deste evento eclesial: cf. Carta ao Cardeal Vigário de 28 de Setembro de 1960: AAS 52 (1960), 814-817.↩︎
Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 66.↩︎
N. 32: AAS 93 (2001), 288.↩︎
Ibid., 33: l. c., 289.↩︎
É sabido, e há que reafirmá-lo, que as revelações privadas não são da mesma natureza que a revelação pública, normativa para toda a Igreja. Ao Magistério cabe discernir e reconhecer a autenticidade e o valor das revelações privadas para a piedade dos fiéis.↩︎
O segredo maravilhoso do Santo Rosário para converter-se e salvar-se: S. Luís Maria Grignion de Montfort, Obras, 1, Escritos espirituais (Roma 1990), pp. 729-843.↩︎
Beato Bártolo Longo, História do Santuário de Pompeia, (Pompeia 1990), p. 59.↩︎
Exort. ap. Marialis cultus (2 de Fevereiro de 1974), 47: AAS 66 (1974), 156.↩︎
Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 10.↩︎
Ibid., 12.↩︎
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 58.↩︎
Os Quinze Sábados do Santíssimo Rosário,27 (ed. Pompeia 1916), p. 27.↩︎
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 53.↩︎
Ibid., 60.↩︎
Cf. Primeira Radiomensagem Urbi et orbi (17 de Outubro de 1978): AAS 70 (1978), 927.↩︎
Tratado da verdadeira devoção a Maria, 120, em: Obras. Vol. I Escritos espirituais (Roma 1990), p. 430.↩︎
Catecismo da Igreja Católica, 2679.↩︎
Ibid., 2675.↩︎
A Súplica à Rainha do Santo Rosário, que se recita solenemente duas vezes ao ano, em Maio e Outubro, foi composta pelo Beato Bártolo Longo em 1883, como adesão ao convite feito aos católicos pelo Papa Leão XIII, na sua primeira Encíclica sobre o Rosário, de um empenho espiritual para enfrentar os males da sociedade.↩︎
Divina Comédia, Par. XXXIII, 13-15 (« Mulher, és tão grande e tanto vales, / que quem deseja uma graça e a vós não se dirige, é como se quisesse voar sem asas »).↩︎
João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), 20: AAS 93 (2001), 279.↩︎
Exort. ap. Marialis cultus (2 de Fevereiro de 1974), 46: AAS 66 (1974), 155.↩︎
João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), 28: AAS 93 (2001), 284.↩︎
N. 515.↩︎
Angelus do dia 29 de Outubro de 1978: L’Osservatore Romano (ed. portuguesa: 5 de Novembro de 1978), 1.↩︎
Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 22.↩︎
Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses, III, 18,1: PG7, 932.↩︎
Catecismo da Igreja Católica, 2616.↩︎
Cf. n. 33: AAS 93 (2001), 289.↩︎
João Paulo II, Carta aos Artistas (4 de Abril de 1999), 1: AAS 91 (1999), 1155.↩︎
Cf. n. 46: AAS 66 (1974), 155. Tal costume foi louvado ainda recentemente pela Congregação do Culto Divino e da Disciplina dos Sacramentos, no Directório sobre piedade popular e liturgia. Princípios e orientações (17 de Dezembro de 2001), 201 (Cidade do Vaticano 2002), p. 165.↩︎
« ...concede, quæsumus, ut hæc mysteria sacratissimo beatæ Mariæ Virginis Rosario recolentes, et imitemur quod continent, et quod promittunt assequamur »: Missale Romanum (1960) in festo B. M. Virginis a Rosario.↩︎
Cf. n. 34: AAS 93 (2001), 290.↩︎
O Sinal da Cruz, embora breve, contém uma densidade teológica admirável. Ele é, em si, um sumário da fé e uma arma espiritual. A invocação da Trindade — In nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti — não é uma mera fórmula, mas uma inserção de todo o nosso ser e de nossa oração no seio da vida trinitária. O ato de tocar a fronte, o peito e os ombros significa que a fé na Trindade e na Redenção deve permear a nossa mente (o pensar), o nosso coração (o amar) e a nossa força (o agir). É, portanto, a consagração de todo o homem, em suas potências, à obra da oração.↩︎
A fé, ensina Santo Tomás, é a primeira das virtudes teologais e o fundamento de toda a vida espiritual (fundamentum totius spiritualis aedificii). Sem ela, é impossível agradar a Deus (Hb 11, 6). A recitação do Credo tem, pois, uma utilidade múltipla: I) ilumina o intelecto, pois pela fé, a alma começa a conhecer Deus, não por suas próprias forças, mas pela adesão à Verdade que o próprio Deus revela. É um antegozo (praegustatio) da visão beatífica; II) dirige a vontade, pois ao conhecer a Deus e o seu plano de salvação, a vontade é movida a desejar o Sumo Bem e a ordenar todos os outros bens a este fim último; III) constitui um ato de justiça, pois é um ato de justiça para com Deus dar-lhe o assentimento de nosso intelecto, reconhecendo-O como a Verdade primeira e infalível; IV) une à Igreja, pois ao professar a mesma fé dos Apóstolos, dos Mártires e dos Santos de todos os tempos, o fiel se insere na grande comunhão da Igreja, cujo primeiro vínculo é a unidade da fé.↩︎
O Doutor Angélico demonstra que o Pai-Nosso possui as cinco qualidades requeridas para a oração perfeita: I) oração deve ser feita com confiança e fé, sem hesitação (Tg 1, 6). O Pai-Nosso é supremamente confiante, pois nos dirigimos a Deus não como a um senhor distante, mas como a um Pai, e como nos ensina o próprio Cristo, "que Pai dentre vós, se o filho lhe pedir um peixe, lhe dará uma serpente?" (Lc 11, 11); II) deve-se pedir os bens que nos são convenientes. Nesta oração, pedimos as coisas mais excelentes: os bens espirituais e eternos (santificado seja..., venha a nós..., seja feita...) e os bens temporais estritamente necessários (o pão nosso...), ordenando tudo à glória de Deus; III) a reta ordem consiste em preferir o espiritual ao temporal. O Pai-Nosso observa perfeitamente esta ordem, pedindo primeiro as coisas celestes e, só depois, as coisas da terra; IV) a devoção, explica o Aquinate, provém da caridade, que é o amor a Deus e ao próximo. Esta oração manifesta ambos os amores: o amor a Deus, ao desejarmos a Sua glória (santificado...), e o amor ao próximo, ao pedirmos não para nós sós, mas para todos (Pai nosso..., perdoai-nos...); V) a oração deve ser humilde, pois Deus resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes (Tg 4, 6). O reconhecimento de nossas dívidas (perdoai-nos...) e de nossa fraqueza diante da tentação (não nos deixeis cair...) é um profundo ato de humildade.↩︎
Santo Tomás de Aquino, em seu sermão sobre a Ave-Maria, desdobra a riqueza contida nas palavras do Anjo. O Anjo saúda a Virgem, o que é um fato inédito nas Escrituras, onde o homem é que sempre reverencia o anjo. Isto se dá pela superioridade de Maria em três aspectos: I) Maria ultrapassa os anjos em graça. Onde o Anjo diz cheia de graça, Santo Tomás explica que esta plenitude se refere: a) à sua alma, isenta de todo pecado, original e atual; b) à sua carne, que concebeu o Filho de Deus; c) à sua difusão sobre todos os homens, pois por Ela nos vêm todas as graças; II) o Senhor está com a Virgem de modo único e superior ao modo como está com os anjos ou com os santos. Com os anjos, Ele está como Senhor; com Maria, está como Filho; III) ela ultrapassa os anjos em pureza, pois foi isenta de toda culpa e de toda pena.
Sobre as outras palavras: Bendita sois vós entre as mulheres, tem-se que Maria é bendita porque reverteu a maldição de Eva. Eva foi maldita na sua descendência, mas Maria foi bendita no seu Fruto; a maldição foi trazer a dor, mas a Virgem trouxe a alegria; a maldição foi a desobediência, mas a bênção de Maria está em sua obediência. Bendito é o fruto do vosso ventre: o pecador, como Eva, busca nas criaturas um fruto que não o sacia. A Virgem, ao contrário, encontrou em seu Fruto a plenitude de todos os bens: a suavidade da salvação, e a beleza que os próprios anjos desejam contemplar.↩︎
A doxologia é a forma mais elevada da oração, pois nela a alma não busca pedir, mas dar. O seu objeto não é o bem da criatura, mas o Bem do próprio Criador. É um ato de pura caridade, que se alegra com o bem do amado, no caso, o Bem infinito que é Deus em Si mesmo. Ao recitar esta oração, o fiel participa, de algum modo, da liturgia celeste, onde os anjos e os santos não cessam de cantar a glória de Deus. É, portanto, a conclusão perfeita do ato preparatório, pois coloca toda a oração que se inicia sob o seu verdadeiro e último fim: a maior glória de Deus (Ad maiorem Dei gloriam)↩︎