Explicação da Definição Clássica das Quinque Voces.

Guilherme Paini

Já é conhecido que a Isagoge de Porfírio trouxe diversos questionamentos aos escolásticos, frente aos problemas que os predicáveis trouxeram, os medievais propuseram uma definição expositiva clássica, que difere, é claro, daquela dada pelo próprio Porfírio, mas que, de nenhuma forma, invalida uma ou outra. A definição clássica é meramente uma forma nova e mais determinada de interpretar os predicáveis.

A formulação das quinque voces segue o seguinte:

1) Espécie: O que de modo necessário in quid convém a alguma coisa, constituindo-a totalmente.

2) Gênero: É o que convém a algo de modo necessário in quid que, parcial e indeterminadamente, o constitui.

3) Diferença Específica ou Differentia: O que de modo necessário in quid convém a algo, e que, parcial e determinadamente, o constitui.

4) Propriedade ou Próprio: É o que de modo necessário in quale in quid convém a alguma coisa, não a constituindo.

5) Acidente: É o que contingentemente convém a alguma coisa.

Explicação:

Ora, para compreender bem esta definição, começaremos por explicar a acepção de alguns termos.

Primeiro, que é in quid?

Respondo-lhe: in quid significa "na coisa", ou seja, é algo que enuncia a quididade de uma coisa, aquilo que faz esta mesma coisa ser aquilo que ela é. Ilustro com um exemplo: que faz o homem ser homem? Ora, o fator de distinção entre o homem e qualquer outra coisa não é ser um animal racional? Pois bem, dizer "Homem é animal racional" é predicar algo in quid, pois eu enuncio algo que ao homem lhe é essencial, i.e, predico in quid, enuncio algo que torna o homem aquilo que ele é. Bem, mas se eu dissesse que "Homem é animal", eu também não estaria enunciando algo que faz ele ser o que é? Correto! Porém, neste caso em específico, o fizemos de modo indeterminado e parcial, algo que também será explicado adiante; por enquanto, saiba que predicar in quid é simplesmente enunciar algo que ao sujeito lhe é essencial, apenas isto.

Segundo, que é in quale?

Respondo-lhe: in quale vem de praedicatio in quale contingens, que é predicar em algo contingentemente. Veja, aqui já temos uma diferença, predicar in quid é algo como "predicar de algo", enquanto in quale é mais como "predicar em algo", perceba que predicar "de" e predicar "em" tem aqui uma grande diferença. Predicar in quale é sempre contingente, acidental, é uma predicação que não enuncia nada da essência, i.e, não enuncia aquilo que faz o sujeito ser o que é, nem nada próximo disso. É como que predicar em um sujeito aquilo que poderia ser, mas que caso não fosse, também pouco importaria. Uma predicação in quale seria algo como: "O homem tem capacidade de rolar na grama", ou então "O homem tem cabelo preto", perceba que em ambos os casos, eu não enunciei nada da essência do sujeito, o predicado não enuncia algo que torna o sujeito aquilo que ele é. O homem poderia não ter a capacidade de rolar na grama e ainda assim ser um homem? Sim! O homem poderia ter o cabelo de outra cor e ainda assim ser um homem? Sim! Pois espero que diante disso esteja claro.

Tendo explicado estes dois termos, podemos prosseguir, começaremos pelo gênero, em razão de construir uma explicação mais pedagogicamente coesa.

1) Por que o gênero constitui parcial e indeterminadamente?

Pois respondo-lhe: precisamos primeiro saber o porquê constitui, depois por que parcial e ainda depois por que indeterminadamente. Constitui pelo que já explicamos previamente, o gênero, quando predicado de um sujeito, sempre irá enunciar ao menos alguma coisa do sujeito, tomemos "homem" como exemplo. Que é o homem? Ora, um animal racional. Aqui, "animal" é o gênero. Veja que sim, a animalidade constitui o homem, mas o homem não se consititui somente de animalidade. Daí decorre o restante: ser animal não constitui totalmente. Ora, mas ser animal constitui de algum modo. Logo, ser animal constitui parcialmente. E por que indeterminadamente, pode ser que tu tenhas se perguntado; Ora, porque ser animal não determina o homem, isto é, dizer somente "animal" não me faz lembrar imediatamente do homem, pois ainda temos todos os outros animais para os quais este mesmo predicado se aplique perfeitamente. Portanto, não determina o homem.

2) Passemos agora para a Diferença Específica; Ora, por que constitui?

Pois digo-lhe: constitui porque também enuncia algo que é parte da essência do sujeito. Tomemos, mais uma vez o exemplo de "homem", ora, o homem não é racional? Pois bem, "racional" é um predicado de diferença específica, aquilo que determina o homem é justamente sua racionalidade, pois podemos dizer: "Homem é animal" e com apenas esta proposição enunciemos algo que constitui, é claro, o homem, porém que não determina-o, sucede porém que ao acrescentarmos o predicado "racional", determinamos especificamente o homem, vejamos o porquê: "Homem é animal racional" ora, você consegue pensar em algum animal que seja racional e que, por sua vez, não seja homem? Pois bem! Disso torna-se claro o porquê da diferença específica determinar o homem. Mas por que parcial e não totalmente? Ora, mas é simples: como dito anteriormente, o homem é animal racional, o homem é animal? Sim, mas isso o determina? Não! O homem é racional? Sim! Mas isso o determina? Sim! Ora, mas o ser humano é apenas racional? Isto é, ser racional enuncia a totalidade da essência do homem? Mas é claro que não, o homem é definido pelo predicado animal (gênero mais próximo) + racional (diferença específica), mas somente quando tomados em união que definem o homem. Ser apenas racional determina o homem dentro os animais, mas isso não o constitui totalmente, pois animal também faz parte da essência de homem. Diante disto, imagino ter ficado claro o porquê determinar e o porquê de o fazer parcialmente.

3) Passemos agora para a espécie. Por que constitui algo totalmente?

Ora, pois é suposto: a espécie se dá pela união do gênero mais próximo com a diferença específica pois dizer "Homem é animal racional" determina a espécie humana. Como dito anteriormente, tomados isoladamente, os predicáveis de gênero e diferença específica constituem apenas parcialmente um sujeito, mas e quando tomados coletivamente? Ora, mas é claro que constituirão totalmente, pois é justamente a união destes dois predicáveis que definem a espécie, mas não dissemos anteriormente que a espécie é a união do gênero mais próximo com a diferença específica? Pois disso sucede que a espécie sempre constitui algo totalmente, pois que sua própria correspondência diz respeito à definição do sujeito.

4) Passemos agora para o penúltimo: a propriedade. Por que a propriedade não constitui o sujeito mas convém a ele in quale in quid?

Ora, a propriedade é algo que decorre da essência, mas que não é a essência mesma, ou seja, é algo que deriva diretamente de algo mas não constitui este mesmo algo. In quale in quid quer dizer que através da propriedade, enunciamos algo "em" algo e esse "em", "de" algo. Um exemplo de propriedade é a capacidade de linguagem articulada (no caso dos humanos), você consegue imaginar um ser humano que não é, secundum naturalem aptitudinem, capaz de linguagem articulada? Ora, eu imagino que não, mas, parando para pensar, será que isso constitui a essência de homem? A resposta é não, não constitui a essência de homem, pois que a capacidade de linguagem articulada deriva da racionalidade do homem (que faz parte de sua essência), mas não é sua essência mesma. Disso torna-se claro o porquê da propriedade convém in quale in quid porém não constitui algo.

5) Passemos para o último e mais simples: o acidente.

Tome como exemplo a sentença "Lucas tem cabelo preto", ora, ter cabelo constitui Lucas? A resposta é não. Ter cabelo preto é necessário ao Lucas? A resposta também é não. Ora, mas pode convir a Lucas ter cabelo preto? Bem, possivelmente sim, mas possivelmente também não. Diante disso, podemos dizer que ter cabelo preto é só uma característica qualquer, que não enuncia a essência de Lucas, é só um atributo qualquer que não constitui ele, apenas isso.

Depois dessa explicação, espero ter ficado claro o motivo da escolha dos termos da Definição Clássica das Quinque Voces.

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