Notas - Arte da Memória

Guilherme Paini
Consortium Doctrinae

Junho 2024

Virgo regens supera, Te laudant angeli super ethera.

A mnemônica é a arte da memória. Ela estuda como otimizar métodos de memorização, como a mente humana memoriza, que forma de memorizar é a mais natural à mente e mnemotécnicas gerais. É a arte mesma da própria memorização, e por isso é instrumental, serve a um propósito extrínseco. O documento está sob o modelo padrão do Notas, todos os pressupostos deste tipo de documento estão presentes aqui. Para este Notas, a base é o curso do Professor Victoreli Arte da Memória.

Como Funciona a Memória?

A memorização é dada em etapas. A primeira etapa consiste numa apreensão sensível do objeto, conceito ou informação, seja enxergar um objeto, inteligir um conceito ou receber uma informação. Essa apreensão sensível se dá pelas faculdades da alma humana, ou então sentidos. Começaremos pelos sentidos externos. São eles:

Através desses cinco sentidos, forma-se o percepto. Um percepto, por exemplo, é formado quando um artista enxerga a obra de arte que ele está produzindo. É o encontro imediato dos sentidos com a realidade.

Entretanto, é claro que, esse mesmo artista do exemplo anterior, poderia projetar como que internamente a imagem dessa mesma obra de arte, mesmo que não estivesse olhando para ela. Diante disso, concluímos que a alma interior tem um gênero de sentidos internos. São eles:

Desta breve e comedida expansão dos sentidos, podemos prosseguir às faculdades intelectuais. São elas:

Via de regra, entre as duas memórias; sensível e inteligível, a que retém mais propriamente é a memória sensível, i.e, aquela que retém as coisas através de imagens, esta é a mais natural à mente humana e a mais facilmente evocada.

Em síntese, temos sentidos externos, que são os cinco sentidos já conhecidos. Através desses sentidos, apreendemos a forma sensível das coisas. Com os sentidos internos, apreendemos sua forma inteligível através da imaginação, sentido comum, estimativa e memória sensível. Chamamos e apreensão feita por esses sentidos de percepto.

Este percepto é evocado através da imaginação, a evocação de um percepto é chamada de fantasma. Um fantasma é a projeção de um percepto, de uma imagem.

A retenção de um fantasma, por sua vez, é dada pela memória sensível.

As previamente explicitadas são as faculdades dos sentidos, passemos agora para as faculdades intelectuais.

Através do intelecto, abstraímos as coisas essenciais de um ente. Essa abstração da essência é chamada de conceito.

O conceito, por sua vez, é retido pela memória inteligível.

Das duas, a que melhor e mais naturalmente retém é a memória sensível.

Princípios Gerais da Memorização

A memória é a faculdade da alma de reter imagens ou ideias. Esforçar-se para compreender profundamente alguma ideia é o mais fiel amigo da retenção com qualidade e longevidade. Quando estamos tratando de coisas desconexas e sem uma associação lógica clara, como por exemplo a lista de compras do mercado, ou então uma sequência de números aleatórios, é muito mais difícil memorizar e retê-las. Nesses casos, faz-se necessário o uso de mnemotécnicas.

Sílabas são mais difíceis de serem memorizadas que palavras abstratas. Palavras abstratas, sem associação clara, por sua vez, são mais dificilmente memorizadas que palavras concretas, com associação clara. Palavras concretas soltas são mais dificilmente memorizadas que palavras concretas associadas logicamente e com construção frasal definida. Frases, por sua vez, são memorizadas de uma melhor forma que todo o restante. Parágrafos são mais que frases, e assim por diante.

Santo Tomás de Aquino nos dá quatro conselhos para a memória, são eles:

A ordem associativa, por sua vez, tem quatro tipos. São eles:

Ordem associativa:

A memória se perde com o tempo, se não exercitada. Também existe a possibilidade de se confundir e misturar coisas previamente memorizadas.

Além dos quatro conselhos de Santo Tomás de Aquino, há também os quatro pecados da memória, propostos por Daniel Schacter, são eles:

Quatro pecados da memória:

Princípios Gerais da Evocação

A evocação é a faculdade de alma de acessar imagens ou ideias previamente memorizadas a partir de princípios, os princípios se dividem em internos e externos. Começaremos pelos internos:

Princípio interno é aquele da natureza da ordem associativa, algo que vem de seus sentidos internos e é associativo ou por contraste, ou por semelhança, ou por proximidade, ou por costume ou hábito, ou por um princípio propriamente dito.

Princípio externo é mais associado às faculdades sensíveis, quando vemos alguma coisa e isso imediatamente nos remete a alguma imagem ou ideia. Ou quando ouvimos algo. É um princípio que está relacionado aos cinco sentidos e é necessariamente externo.

Um conceito importante que está relacionado à evocação é a reminiscência. A reminiscência é a faculdade da alma de evocar imagens ou ideias previamente memorizadas através de princípios internos. A reminiscência é sempre um ato intencional, de buscar deliberadamente uma ideia ou imagem no acervo da memória. Uma associação, seja ela de qualquer natureza, é quase sempre um tipo de reminiscência. É sempre adequado memorizar imagens ou ideias associando-as a coisas mais facilmente evocáveis. Se é do seu interesse lembrar algo que aconteceu em um dia, associe a isso um conjunto de memórias associado temporalmente a ele, por exemplo. Lembre-se do que fez antes daquele acontecimento, lembre de algo particular àquele dia que aconteceu, e, de forma geral, busque sempre associar a coisas facilmente recordadas.

Convém agora apresentar o princípio da recência e da primazia

Quando uma memória foi adquirida há pouco tempo, a tendência é que as últimas coisas dessa lista ou desse conjunto de ideias sejam muito mais facilmente evocáveis do que as primeiras coisas. Quando esse espaço de tempo é maior (acima de 24h), a tendência é que as primeiras coisas que você viu sejam mais facilmente evocadas do que as últimas coisas.

Outro conceito importante é a lei do contexto. A lei do contexto diz que quando você memoriza algo dentro de um determinado contexto, é muito mais fácil evocar essa memória caso seja exposto a esse mesmo contexto, seja imaginativamente seja fisicamente. De forma interna ou externa.

Técnicas e sistemas mnemônicos

As técnicas mnemônicas são artifícios que servem como uma forma de facilitar a memorização e a evocação. Elas servem para aprimorar a memorização e agilizar e facilitar a evocação de coisas previamente memorizadas. Elas permitem que a mente tenha controle das coisas memorizadas e, dessa forma, facilitam a evocação.

Técnicas:

Técnicas mais simples

Algumas técnicas não precisam de esquemas mnemônicos complexos, embora sejam ferramentas para propósitos mais superficiais, seu uso sendo suposto quando o mero ato de evocar um conjunto de palavras já remeta a uma ideia concreta.

Técnica de acrônimos: A ideia de juntar iniciais de palavras para memorizar um conjunto delas é chamada de técnica do acrônimo. Exemplo:

GÊDIPRACES

Neste exemplo, a inicial de cada palavra é usada para formar uma única palavra que remeta a todas as outras. Este exemplo usa os predicáveis1como coisa a ser memorizada.

Um outro exemplo é a técnica das rimas:

A técnica de usar rimas pode ser um artifício útil para memorizar palavras que remetem a conceitos ou ideias. Músicas também entram aqui nessa técnica, uma música rimada, para aprender os ângulos notáveis da Trigonometria é um tipo de aplicação dessa técnica. O exemplo aqui usado é o das formas válidas2 do silogismo e de suas figuras:

Prática Mnemônica

Pela própria natureza do exercício mnemônico, é possível praticá-lo em qualquer lugar, é interessante que se pratique sempre quando possível. O ócio da vida cotidiana permite esse tipo de coisa sem muito comprometimento.

Diante disso, é importante distinguir entre dois tipos tipos de memória:

Diante disso, é claro que podemos exercitar ambas separadamente, essas duas memórias se misturam, mas podem ser distinguidas e elas são treinadas separadamente. É possível treinar a memória vertical sem treinar a horizontal e o recíproco. Por isso, é sempre importante exercitar ambas, pois ambas são importantes e se completam.

É importante exercitar a memória natural e artificial. Treina-se a natural por memorizar coisas horizontal e verticalmente. Exercita-se a artificial pela criação de sistemas mnemônicos usando as técnicas apresentadas aqui, para que sempre se construa sistemas cada vez mais eficientes. Exercite a memória separadamente e com grande variação em extensão, profundidade e conteúdo. Treine também a reminiscência: reviva, pelo menos uma vez por dia, cada sistema mnemônico que você criar, refaça o caminho daquele sistema para que ele se cristalize na inteligência. Assim como a memória, a reminiscência é extremamente importante.

Você já deve ter percebido que após estudar, parte do conhecimento retido na memória acaba por ser perder. Pesquisas estimam que após 24h, 50 a 80% do conteúdo estudado acabam por se perder na memória. Diante disso, é extremamente importante que o estudante monte uma espécie de esquema de revisões, de forma a incorporar o conhecimento na memória, fazendo com que ele seja mais dificilmente esquecido.

Memorização Aplicada aos Estudos

Para um bom sistema de revisão, é próprio que faça-se poucas vezes ao longo do dia, mas com um intervalo grande entre elas. Por exemplo, é muito mais efetivo fazer uma revisão de 5 a 10 minutos do conteúdo estudado no dia passado antes de começar uma nova sessão de estudos do que fazer três, quatro revisões por dia. O intervalo de revisão é algo pessoal e o ideal é que cada um saiba o que é melhor para si, aqui estão algumas sugestões:

O sistema de revisão deve se ater especificamente naquilo que for mais importante, cabe ao estudante fazer esse juízo adequadamente àquilo que ele considera ser relevante, seja intelectualmente, profissionalmente, academicamente ou coisa que o valha.

Lembre=se que, o próprio ato de entender algo em sua plenitude, de realmente se esforçar para compreender alguma coisa, já é, normalmente, o suficiente para que aquilo se incorpore em sua memória. Entretanto, algumas vezes o uso de técnicas mnemônicas faz-se necessário.

Antes de iniciar qualquer sessão de estudos, é importante que se esteja hidratado e com o cérebro desperto.

Durante o estudo:

Escreva sobre o que você aprendeu, ensine outras pessoas, ensine a si mesmo, traga aquilo que você estudou à vida, movimente o conhecimento, não deixe-o estagnado na memória, movimente, aplique, ensine, escreva. O estudo é uma atividade viva e se decompõe caso não exercitada e não movimentada.

Não abuse de técnicas mnemônicas, use sempre que aquilo for realmente necessário.

Boa sorte.


  1. Caso tenha interesse em lógica clássica, leia meu Opúsculo de Lógica aos Novatos, um texto introdutório a essa disciplina. Leia também o Notas, volume referente às Categorias e à Isagoge.↩︎

  2. Para uma expansão detalhada e esquematizada das formas do silogismo, vide o Opúsculo de Lógica aos Novatos.↩︎

Para ter acesso ao PDF do opúsculo, clique aqui.