Junho 2024
Pequeno Guia ao Estudante
Nicolas
Junho 2024
Consortium Doctrinae
2 Latim:
Creátor Ineffábilis, qui de thesáuris Sapiéntiae tuae tres Angelórum hierarchías designásti, et eas super Caelum empyreum miro órdine collocásti, atque univérsi partes elegantíssime distribuísti, tu, inquam, qui verus fons lúminis et sapiéntiae díceris atque superéminens princípium infundere dignéris super intelléctus mei ténebras tuae rádium claritátis, dúplices, in quibus natus sum a me remóvens ténebras, peccátum scilicet et ignorántiam. Tu qui línguas infántium facis disértas, línguam meam erúdias atque in lábiis meis grátiam tuae benedictiónis infundas. Da mihi intelligéndi acúmen, retinéndi capacitátem, addiscéndi modum et facilitátem, interpretándi subtilitátem, loquéndi grátiam copiósam. Ingressum instruas, progréssum dirigas, egréssum cómpleas. Tu qui es verus Deus et homo, qui vivis et regnas in sáecula saeculórum. Amen.
Português:
Criador inefável, que dos tesouros da vossa sabedoria elegestes três hierarquias de Anjos e as estabelecestes numa ordem admirável acima dos céus, e dispusestes com tanta beleza as partes do universo; Vos que sois chamado a fonte verdadeira e o Princípio sobreeminente da Luz e da Sabedoria, dignai-vos enviar sobre as trevas da minha inteligência um raio da vossa claridade, afastando de mim a dupla obscuridade na qual nasci, a do pecado e a da ignorância. Vós que tornais eloquente a língua das crianças, formai a minha palavra e deitai sobre os meus lábios a graça da vossa bênção. Dai-me a penetração para compreender, a capacidade de reter, a maneira e a facilidade de estudar, a subtileza para interpretar e uma graça abundante para falar. Disponde o começo, dirigi o avanço, cumpri o acabamento; Vós que sois verdadeiro Deus e verdadeiro homem, e que viveis e reinais pelos séculos dos séculos. Amém.
Lanço-me, caro membro de nosso grupo, no desafio de escrever este opúsculo, não sem receio, porque, com efeito, o que pretendo é guiar-te por entre os tortuosos caminhos da educação clássica, e, se há nisso um bem, também há um mal: o peso da responsabilidade que me esmaga os ombros.
Pois bem, se te lançaste a tão árdua empresa — a de querer desvendar os mistérios das letras antigas, a de te imergires nos mares da filosofia e da ciência, a de te elevares, por fim, aos céus da contemplação —, então deves saber que não estarás só: pois neste itinerário — que, todavia, por sua própria natureza, há de ser trilhado, ao menos em parte, a sós — encontrarás, além de mim, outros companheiros que também trilham o mesmo caminho. Somos integrantes do Consortium Doctrinae, um grupo de homens unidos pelo amor ao saber, pela busca da verdade, pela vontade, afinal, de viver uma vida digna de ser vivida.
E a ti, que agora inicias esta jornada, cabe saberes que, a exemplo dos antigos, não podes senão enfrentar provas e dificuldades as mais diversas, algumas dolorosas como um parto, outras aprazíveis como um banquete. Desse modo, deves munir-te das armas adequadas para combater as feras que se escondem pelas sendas, para que, assim, possas defender-te; e deves, também, fortalecer o teu corpo com o alimento que te nutre, para que, assim, possas perseverar.
Para guiar-te no início desta aventura, escrevi este pequeno guia, o qual, espero, te sirva de mapa e bússola, ainda que incompleto, pois a totalidade do conhecimento, como já disse o antigo poeta, supera os limites da vida humana. Mas, limitando-me àquilo que a minha própria experiência me concedeu apreender, tenho a esperança de te poder auxiliar neste início.
Aprenderás, nestas páginas, a ler e a escrever como os melhores autores, a memorizar e a evocar com desenvoltura os saberes que adquirires, a discernir e ordenar os argumentos e, por fim, a pensar com clareza, com ordem, com beleza. Não te prometo, porém, que a jornada será fácil: exige-se esforço, dedicação e persistência da parte daquele que deseja alcançar a meta. Mas assegura-te disto: o prêmio é digno do sacrifício.
Tenha-o pois em mente enquanto percorreres estas páginas; e rogo-te que, ao deparar com alguma passagem obscura ou com algum preceito de difícil aplicação, voltes a ele com humildade e, buscando o esclarecimento, o retrabalhes com afinco. Porque só assim se aprende: errando e corrigindo; perguntando e respondendo; imitando e criando. E só assim se alcança a sabedoria, que é o bem que o homem mais deseja, aquele bem que justifica todos os sofrimentos.
Caro membro, 2
Embarca-te comigo, nesta nau, e naveguemos pelos mares do saber. A viagem será longa e por vezes perigosa. Mas, não temas! Com a devida preparação, com as velas içadas e o timão firme, venceremos as tormentas e tempestades e chegaremos à desejada Ítaca – a ilha da Sabedoria.
Viver no mundo moderno, rodeado de tecnologias que parecem facilitar-nos a vida, é como viver em uma caverna de Platão: projeta-se em nossas mentes uma ilusão de saber e de poder. Uma ilusão que, porém, não passa de sombra, de reflexo tosco da realidade.
Para escapar dessa caverna e contemplar a luz do sol, a luz da verdade, é preciso que nos libertemos dos grilhões que nos aprisionam. E essa libertação se dá, antes de tudo, pela educação. Não a educação moderna, utilitarista e pragmática, que nos ensina a operar máquinas e a acumular informações, mas a educação que forma a alma, que desenvolve o intelecto, que nos torna capazes de pensar por nós mesmos.
O Trivium e o Quadrivium são as sete artes liberais que, por séculos, formaram os homens livres do Ocidente. Elas nos ensinam a manejar a linguagem com precisão e elegância, a argumentar com solidez, a contemplar a beleza e a ordem do cosmo – em suma, a pensar como os antigos.
A gramática, a retórica e a dialética 3, as artes do Trivium, dão-nos as ferramentas para ler, escrever, falar e pensar com correção e clareza. A aritmética, a geometria, a música e a astronomia, as artes do Quadrivium, revelam-nos a ordem e a harmonia do universo, a linguagem matemática com que Deus o criou, e que se reflete também na alma humana.
Se me perguntares como trilhar o caminho da educação clássica, eu te direi: aprende latim. 4 O latim, a língua romana que os cristãos se apropriaram e elevaram, é a chave que abre as portas da cultura do Ocidente. Nela está escrito o que de melhor se pensou e se disse por séculos.
Analogia entre Educação e Cultivo da Terra
Assim como um camponês cuida da terra para que ela produza bons
frutos, assim também devemos cuidar de nossa alma para que ela produza
os frutos da sabedoria e da virtude.
A educação é um trabalho árduo e paciente. Requer esforço, dedicação e
constância. Não se colhem frutos sem antes preparar o terreno, semear,
regar, podar.
A educação moderna, influenciada pelo utilitarismo, pelo pragmatismo e pelo relativismo, tende a ver o homem como uma máquina a ser programada para o mercado de trabalho. Ignora-se a dimensão espiritual, a busca da verdade e do bem, a contemplação da beleza. O resultado é uma sociedade de pessoas desnorteadas, insatisfeitas, incapazes de pensar por si mesmas. 5
A tradição é a democracia dos mortos, dizia Chesterton. Ela nos lega o patrimônio cultural e intelectual que os nossos antepassados acumularam ao longo dos séculos. Cabe-nos, pois, honrá-los aprendendo com eles. A educação clássica, liberal e católica, baseia-se na tradição. Ela nos ensina a ler os clássicos, a imitá-los, a dialogar com eles. Ela nos conecta com a sabedoria dos antigos, que nos ilumina e nos guia.
A educação católica, em seu sentido mais amplo, não se limita a ensinar dogmas e preceitos. Ela busca formar o homem integral, desenvolvendo todas as suas potencialidades — intelectuais, morais e espirituais. Ela o faz através da contemplação da Verdade, que é Deus. A razão, para o cristão, não se opõe à fé, mas a complementa. A ciência não é inimiga da religião, mas sua serva. A beleza não é um fim em si mesma, mas um caminho para Deus. A educação católica, fundada nas Artes Liberais, é a que mais se aproxima do ideal de paideia, da formação integral do homem para a liberdade e para a sabedoria.
Caro membro,
Já te convidei a navegar pelos mares do saber e suponho que, a esta altura, já tenhas içado as velas e te lançado à aventura. Mas, para que a viagem seja proveitosa, para que não te percas em meio às tormentas e tempestades, para que chegues, enfim, à desejada Ítaca, é preciso que conheças bem a nau em que te embarcaste – a nau da tua própria mente.
Analogia entre Mente e Cultivo da Terra
A tua alma, a exemplo de um jardim, possui terras férteis e outras
áridas, plantas viçosas e ervas daninhas. Para que produza os frutos da
sabedoria e da virtude, é mister que a cultives com cuidado, que a
irrigues com as águas da razão e que a protejas dos ventos nocivos das
paixões desordenadas.
Tens, para isso, três instrumentos principais: a imaginação, a
inteligência e a vontade. A imaginação, qual um camponês diligente,
semeia as ideias; a inteligência, como um jardineiro experiente, as poda
e as organiza; a vontade, por fim, como um senhor zeloso, as colhe e as
guarda.
A razão humana, porém, não é onipotente. Ela não pode alcançar, por si só, as verdades últimas, os mistérios divinos, os segredos do coração. Para isso, precisamos da fé, da revelação, da graça. Assim como um navio precisa de um porto para aportar, assim também nossa razão precisa da fé para se ancorar. Sem a fé, a razão se perde nos mares da dúvida, naufraga nos escolhos do ceticismo, afunda nos abismos do desespero. A fé, como uma bússola, nos orienta; como um farol, nos ilumina; como uma âncora, nos segura. Ela nos conecta com a Verdade que transcende a razão, com o Deus que nos criou e nos ama.
A analogia é um dos instrumentos mais poderosos da mente humana 6. Ela nos permite compreender o desconhecido através do conhecido, o invisível pelo visível, o espiritual pelo material. Como um espelho que reflete a imagem, a analogia nos mostra a semelhança entre coisas distintas, revelando-nos a unidade e a harmonia que permeiam a realidade. Através da analogia, podemos compreender as Escrituras Sagradas, os mitos, os poemas, as alegorias – em suma, tudo aquilo que se expressa por meio de símbolos e imagens.
A linguagem humana é um sistema de símbolos, um conjunto de signos que representam as coisas que pensamos e sentimos. É através da linguagem que nos comunicamos com os outros e conosco mesmos. Os símbolos, porém, não são as coisas em si mesmas, mas representações delas. Por isso, é preciso ter cuidado para não confundir o símbolo com a coisa simbolizada. O mapa, como dizia o sábio, não é o território.
A abstração, por sua vez, é a capacidade da mente humana de separar as coisas em suas partes, de analisar seus componentes, de isolar seus aspectos. É uma ferramenta poderosa para o conhecimento, mas também pode ser perigosa se usada de modo inadequado. Quando nos apegamos às abstrações, quando nos esquecemos de conectá-las com a realidade concreta, corremos o risco de perder o rumo, de nos perdermos em um labirinto de conceitos sem saída. Assim, como um marinheiro que perde a bússola, a mente que se afasta da realidade se perde em um mar de abstrações, sem conseguir chegar a porto seguro.
Para conluir este tópico, proponho alguns exercícios 7:
Escolha um objeto qualquer, como um lápis, uma cadeira, uma flor. Em seguida, descreva-o com o máximo de detalhes: cor, forma, tamanho, textura, peso, cheiro, etc.
Imagine que você está conversando com alguém que nunca viu esse objeto. Como você o descreveria para que essa pessoa pudesse imaginá-lo com clareza?
Pense em um problema qualquer que você esteja enfrentando, como por exemplo, como conseguir um novo emprego. Em seguida, faça uma lista de analogias entre seu problema e situações encontradas na natureza, por exemplo: "Um rio contorna os obstáculos para chegar ao mar", "As sementes precisam ser enterradas para poderem germinar", "As aves migram para regiões mais quentes no inverno", etc.
Analise cada uma dessas analogias e veja se ela lhe sugere alguma solução para seu problema.
Caro membro,
Já te convidei a embarcar na nau da tua mente, já te apresentei aos instrumentos com os quais hás de navegar, já te alertei dos perigos que encontrarás pelo caminho. Chegou a hora, agora, de te apresentar à tripulação – aos mestres que te guiarão nesta jornada em busca da Sabedoria.
Os clássicos são os livros que, ao longo dos séculos, têm iluminado a mente e o coração dos homens. São obras que transcenderam o tempo e o espaço, e que ainda hoje nos falam com a mesma força e beleza de outrora. Ler os clássicos é como conversar com os sábios da antiguidade, com os grandes pensadores e artistas que moldaram a nossa civilização. É aprender com aqueles que pensaram com mais profundidade, que escreveram com mais elegância, que viveram com mais intensidade. Mas, por que ler os clássicos? Qual a sua relevância para nós, que vivemos num mundo tão diferente do deles? A resposta é simples: porque os clássicos nos ensinam a ser humanos. Eles nos mostram as grandezas e as misérias da alma humana, as alegrias e as tristezas da vida, os desafios e as recompensas da busca pela verdade. Os clássicos nos confrontam com as questões perenes que afligem o homem desde sempre: o que é o bem? O que é o belo? O que é o verdadeiro? Como viver uma vida digna de ser vivida? Eles nos inspiram a buscar a excelência em todas as áreas da vida, a cultivar as virtudes, a amar a sabedoria, a servir a Deus e ao próximo.
Ler, porém, não é apenas passar os olhos pelas palavras. É preciso saber ler com inteligência, com profundidade, com proveito. Para isso, o filósofo Mortimer Adler 8 nos propõe dois métodos de leitura: o analítico e o sintópico. A leitura analítica, como o nome indica, é a que decompõe o texto em suas partes, que examina seus termos e proposições, que busca seus argumentos e conclusões. É a leitura que busca extrair do livro todo o seu conteúdo intelectual. A leitura sintópica, por sua vez, é a que compara e relaciona diversos livros sobre o mesmo assunto. Ela busca encontrar as convergências e as divergências entre os autores, os pontos de concordância e de discordância, as diferentes perspectivas e abordagens. Através da leitura sintópica, o aluno constrói um panorama amplo e profundo do assunto, aprofundando sua compreensão e formando seu próprio juízo crítico.
Diante da imensa quantidade de livros que a tradição nos legou, escolher obras para um programa de leitura pode parecer uma tarefa difícil e até mesmo assustadora. Mas, não te preocupes! O importante é que escolhas livros que te interessem, que te desafiem, que te façam pensar. Começa pelos clássicos da literatura: Homero, Virgílio, Dante, Shakespeare, Cervantes, Camões, etc 9. São obras que, além de te ensinarem a ler com mais profundidade, te mostrarão as grandezas e as misérias da alma humana, as alegrias e as tristezas da vida, os desafios e as recompensas da busca pela verdade. Depois, passa para as obras filosóficas: Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, etc 10. São obras que te farão pensar sobre as questões fundamentais da existência humana: o que é o bem? O que é a beleza? O que é a verdade? Como viver uma vida digna de ser vivida? Não te esqueças, também, das obras de história, de ciência, de teologia, de arte, de música, sagrados 11, etc 12. – tudo aquilo que te ajude a compreender melhor o mundo e a ti mesmo.
A leitura dos clássicos é um dos pilares da educação clássica, liberal e católica. Ela nos conecta com a tradição, nos liberta da ignorância, nos ensina a pensar e a viver. Lança-te, pois, à aventura da leitura! Explora a trilha do Consortium Doctrinae, conversa com os teus companheiros de jornada, partilha as tuas descobertas, debate as tuas dúvidas, e verás como a tua alma se alegrará e o teu espírito se elevará.
Caro membro,
Após te haveres apresentado aos instrumentos da tua mente, e já tendo conhecido os mestres que te guiarão na senda do saber, cabe-nos agora tratar da primeira e mais fundamental das artes liberais: a Gramática 13. A Gramática é a arte que te ensina a manejar com correção e elegância o idioma pátrio, a fim de que possas exprimir os teus pensamentos com clareza, precisão e beleza. É ela que te liberta dos grilhões da linguagem tosca e vulgar, e te abre as portas para o mundo da eloquência e da erudição. Poderás pensar: mas para que me fatigar com regras e exceções, com flexões e conjugações, com termos obscuros e definições labirínticas? Não seria mais simples deixar a língua seguir seu curso natural, como um rio que corre livremente para o mar? A resposta, meu caro colega, é um sonoro NÃO. Deixar a língua à deriva é condená-la à corrupção e à morte. É entregar-se ao barbarismo, à confusão, ao caos. A linguagem humana, ao contrário da dos animais, não é regida apenas por instintos, mas pela razão; e a razão pede ordem, clareza, precisão.
A gramática começa com os sons, com os fonemas que, combinados, formam as palavras 14. É preciso que saibas como pronunciá-los com correção, para que sejas bem entendido; e que saibas também como escrevê-los, para que não manches o papel com erros grosseiros. Em português, como em outras línguas, há sons que te enganarão. Há letras que se pronunciam de modos diversos, há letras que não se pronunciam, há letras que se pronunciam juntas como se fossem uma só. E há ainda as ciladas da prosódia, que te farão tropeçar nos acentos tônicos e nas sílabas átonas. Não te preocupes, porém! Com estudo e prática, dominarás esses desafios e terás a garganta e a pena prontas para o bom combate.
Após conheceres os sons da língua, deves aprender como as palavras se estruturam, como se formam a partir de seus elementos básicos: os radicais, os prefixos, os sufixos, as vogais temáticas e as desinências. A Morfologia, como o nome indica, é o estudo da forma das palavras; a Etimologia, por sua vez, busca a origem delas, as suas raízes na história da língua. Através da Morfologia e da Etimologia, descobrirás os segredos da formação vocabular, as regras de derivação e composição, os parentescos entre as palavras, as nuances de seus significados. Aprenderás, enfim, a compor e a decompor as palavras como um hábil artesão.
Dominados os sons e a estrutura das palavras, passarás ao estudo da Sintaxe, a arte de compor frases e textos com correção e elegância. Aprenderás como as palavras se combinam em orações, como as orações se unem em períodos, como os períodos se organizam em parágrafos e os parágrafos em textos completos e harmoniosos. Aprenderás, também, a distinguir os diferentes tipos de orações: as que expressam afirmações, as que formulam perguntas, as que emitem ordens, as que manifestam desejos, as que exteriorizam emoções. Aprenderás, enfim, a construir o teu discurso com a mesma maestria com que um arquiteto constrói um edifício.
Não basta, porém, escrever com correção. É preciso escrever com estilo. E o estilo, meu caro, não é um adorno supérfluo, um luxo dispensável. É a forma mais adequada de exprimir os teus pensamentos, de comunicar as tuas ideias, de atingir o coração e a mente dos teus leitores. Há diversos estilos de escrita, desde o mais baixo e coloquial, próprio da conversação familiar, até o mais elevado e solene, próprio dos grandes discursos e dos textos sagrados. Cabe a ti, escritor, escolher o estilo que melhor se adapte ao teu propósito, ao teu público e à tua própria personalidade 15.
A melhor forma de aprender a escrever com estilo é imitar os grandes.
Lê-os com atenção, observa como eles estruturam suas frases, como escolhem suas palavras, como usam a pontuação, como organizam seus textos. Imita-os, porém, com inteligência, sem cair na mera cópia servil. Adapta o estilo deles à tua própria voz, ao teu próprio modo de pensar e de sentir. A escrita é como um músculo que se fortalece com o exercício. Escreve todos os dias, sobre os mais variados assuntos. Não te preocupes com a perfeição. O importante é escrever, escrever, escrever. Com o tempo e com a prática, a tua escrita se tornará mais fluente, mais precisa, mais elegante. Tornar-se-á, enfim, a expressão fiel da tua própria alma.
Caro membro,
Após te haveres familiarizado com a Gramática, a arte da escrita correta 16, adentraremos agora os domínios da Retórica, a arte da persuasão 17. E, se a Gramática te ensinou a construir a nau da linguagem, a Retórica te ensinará a pilotá-la com maestria, a navegar pelos mares da opinião, a alcançar os portos do convencimento. Poderás pensar: mas para que me preocupar com a arte da persuasão? Não seria mais honesto e mais fácil expressar as minhas ideias de forma simples e direta, sem recorrer a artifícios e estratégias? A resposta, meu caro aluno, [também] é um sonoro NÃO. A vida humana não é um mar calmo, onde a razão impera absoluta. Somos seres de paixão e de desejo, de crenças e de opiniões, de preconceitos e de impulsos. Para navegarmos nesse mar revolto, precisamos de mais do que um barco e um timão: precisamos de velas que nos impulsionem, de remos que nos ajudem a contornar os obstáculos, de âncoras que nos segurem nos momentos de tempestade. A retórica, como a entendia Aristóteles, é a faculdade de descobrir, em cada caso, os meios de persuasão disponíveis. Ela nos ensina a conhecer a alma humana, a compreender as suas motivações, a despertar os seus afetos, a direcionar a sua vontade.
Os fins da retórica são três: convencer, mover e deleitar. Convencer é levar o ouvinte ou leitor a concordar com a verdade ou a probabilidade de uma afirmação. Mover é levá-lo a agir de acordo com o que foi dito. Deleitar é causar-lhe prazer estético pela beleza e harmonia do discurso. Assim, o bom orador ou escritor é aquele que consegue, com maestria, combinar esses três elementos: a solidez dos argumentos, a força da emoção e a elegância da forma.
Para alcançar esses fins, a retórica divide-se em três partes principais: invenção, disposição e elocução. A invenção, como o próprio nome indica, é a arte de encontrar os argumentos mais persuasivos para cada caso. A disposição é a arte de ordenar esses argumentos de modo a torná-los mais claros, mais fortes e mais memoráveis. A elocução, por fim, é a arte de revestir esses argumentos com as palavras mais adequadas, com as figuras de linguagem mais expressivas, com o ritmo e a melodia mais harmoniosos.
Na retórica, os argumentos mais usados são os entimemas e os exemplos. O entimema é um silogismo abreviado, no qual se omite uma das premissas ou a própria conclusão, por serem consideradas óbvias pela audiência. O exemplo, por sua vez, é a apresentação de um caso particular que serve para ilustrar ou comprovar uma afirmação geral. Assim como na dialética, também na retórica a indução e a dedução têm seu lugar. Mas, enquanto na dialética o foco está na solidez lógica do raciocínio, na retórica a ênfase recai na força persuasiva dos argumentos.
Os gêneros retóricos, como vimos no capítulo anterior, são três: deliberativo, judicial e epidítico. O gênero deliberativo é o que se usa para aconselhar ou desaconselhar alguma ação futura. O gênero judicial é o que se usa para acusar ou defender alguém de uma ação passada. O gênero epidítico, por fim, é o que se usa para elogiar ou vituperar alguém ou alguma coisa no presente.
A retórica, porém, pode ser usada para o bem ou para o mal. Ela pode servir para defender a verdade, para promover a justiça, para inspirar a virtude; mas também pode servir para propagar a mentira, para defender a injustiça, para corromper a alma. O bom orador, como o bom médico, usa sua arte para curar, para aliviar, para salvar. O mau orador, como o mau médico, a usa para ferir, para envenenar, para matar. A ética, portanto, é um elemento fundamental da retórica. Sem ética, a retórica se transforma em mera sofística, em um jogo de palavras vazio e enganoso, que visa apenas a vencer o debate, sem se importar com a verdade 18.
Alguns exercícios para praticar:
Escolha um tema polêmico qualquer, como a legalização do aborto. Em seguida, faça uma lista de argumentos a favor e contra a legalização, buscando as razões mais persuasivas para cada lado.
Imagine que você tem de fazer um discurso a favor ou contra a legalização. Como você organizaria seus argumentos para torná-los mais claros, mais fortes e mais memoráveis?
Que tipo de linguagem e que figuras de linguagem você usaria para tornar seu discurso mais eloquente e mais persuasivo?
Caro membro,
Após te haveres familiarizado com a Gramática, a arte de escrever e falar corretamente, e com a Retórica, a arte de persuadir, adentraremos agora os áridos, porém férteis, domínios da Dialética, a arte do debate e da investigação. E, se a Gramática te ensinou a construir a nau da linguagem, e a Retórica a pilotá-la, a Dialética te ensinará a usá-la como um instrumento de combate, para defender a verdade e conquistar novos territórios no reino do conhecimento. Poderás pensar: mas por que me aventurar por esses mares revoltos, por entre escolhos e tempestades, quando posso navegar em águas calmas, sob o céu sereno da opinião? Não seria mais prudente evitar o conflito, a controvérsia, a discordância? A resposta -novamente-, meu caro aluno, [também] é um sonoro NÃO. A verdade não se encontra nas placidez das águas paradas, mas no embate das ondas, no choque das ideias, no atrito dos argumentos. É na forja da controvérsia que o ouro da sabedoria se purifica da escória do erro.
A dialética, como a concebiam os antigos, não é um mero jogo de palavras, um exercício de sofística, uma disputa vazia e estéril. Ela é antes de tudo um instrumento de análise, uma ferramenta para desvendar os mistérios da realidade, um método para alcançar a verdade. Mas que verdade? A verdade última, absoluta, inquestionável? Não, meu caro. A dialética não se ocupa com as certezas apodícticas. Ela se contenta, sim, com a verdade provável, com a verdade que se sustenta pela força dos argumentos e pela coerência dos raciocínios, que resiste ao embate das objeções e ao crivo da crítica. 19
O método dialético é simples, porém poderoso. Ele se baseia no diálogo, na troca de perguntas e respostas, na formulação de objeções e refutações. É um combate intelectual, um duelo de ideias, no qual a verdade se forja no calor da controvérsia. Sócrates, o mestre da dialética, comparava-a à arte da parteira. Assim como a parteira auxilia a mulher a dar à luz uma nova vida, o dialético auxilia a mente a dar à luz novas ideias, novos conhecimentos, novas verdades. O dialético, porém, não impõe suas próprias ideias, mas interroga, questiona, provoca. Ele faz o interlocutor dar à luz as suas próprias ideias, as quais, muitas vezes, estavam ocultas no fundo da alma, como um tesouro escondido.
Os argumentos dialéticos são de três tipos principais: dedutivos, indutivos e analógicos. O argumento dedutivo parte de premissas gerais e chega a conclusões particulares. O argumento indutivo parte de observações particulares e chega a conclusões gerais. O argumento analógico, por fim, compara duas coisas ou situações diferentes, buscando as semelhanças entre elas. Na dialética, todos esses tipos de argumentos têm seu lugar e sua função. Cabe ao dialético saber usá-los com maestria, adaptando-os ao tema em debate e ao interlocutor.
A dialética é a porta de entrada para a Filosofia. Ela nos ensina a questionar, a duvidar, a argumentar, a buscar a verdade. Ela nos liberta dos grilhões da opinião e nos coloca no caminho da sabedoria.
A dialética também é a raiz da ciência moderna. Foi através do método dialético que os primeiros cientistas começaram a questionar as teorias antigas, a buscar novas explicações para os fenômenos da natureza, a formular hipóteses e a testá-las através de experimentos.
Exercícios:
Escolha um tema filosófico qualquer, como a natureza da alma. Em seguida, faça uma lista de argumentos a favor e contra a imortalidade da alma, buscando as razões mais fortes para cada lado.
Imagine que você está debatendo com alguém que defende a posição contrária à sua. Como você formularia suas objeções e refutações?
Pense em uma questão científica, como a origem do universo. Como você usaria o método dialético para investigar essa questão?
Quantos dedos tens, meu caro? E se juntares os teus dedos aos da tua mão esquerda, quantos serão? E se juntares a estes os dedos dos teus pés, a quanto chegarás? Vinte, dirás. Pois bem, vinte é número. Um número par, dirás ainda, se já aprendeste algo de Aritmética. Mas o que são os números? De onde vêm? Para que servem? Essas são perguntas, meu colega, que os homens se fazem desde que aprenderam a contar – ou talvez, até mesmo antes, quando ainda contavam com os dedos, com pedrinhas, com nós em cordas. E são perguntas que a Aritmética, a primeira das artes do Quadrivium, se propõe a responder. Não te deixes enganar pela aparente simplicidade dos números, pois, como as letras que compõem as palavras, eles ocultam em si um mundo de relações e mistérios que desafiam a mente humana desde os primórdios da civilização.
A Aritmética (do grego arithmós: número) é a ciência dos números, sim. Mas não se limita a ensinar-te a somar, subtrair, multiplicar e dividir. Ela te convida a mergulhar no oceano dos números, a explorar suas profundezas, a descobrir seus mistérios. Os números, meu caro, não são apenas símbolos para quantificar as coisas do mundo. São antes entidades abstratas, ideias que existem na mente humana, e que refletem, de algum modo, a ordem e a harmonia do próprio Cosmo. Os pitagóricos, aqueles sábios da antiga Grécia, já o sabiam. Eles viam nos números a chave para a compreensão do universo, a linguagem com que Deus o criou, a música das esferas celestes. A Aritmética, como já te foi anunciado, é a ciência que considera a quantidade em si mesma – abstracta quantitas, como diziam os antigos. Ela lida com o discreto, o distinto, o que não está ligado a nenhum objeto sensível, mas que existe puramente no reino do intelecto. Cinco maçãs não são a mesma coisa que o número cinco. As maçãs podes tocá-las, saboreá-las, contá-las. O número cinco, porém, só podes apreendê-lo com a tua mente. É uma ideia, um conceito, uma forma inteligível.
Para os pitagóricos, o número não era apenas um signo da quantidade, mas um símbolo da qualidade, um reflexo da própria essência das coisas. Assim, a unicidade (número um) era para eles o símbolo da divindade, daquilo que é único, indivisível, eterno. A dualidade (número dois), por sua vez, era o símbolo da oposição, da diferença, da mudança. E assim por diante, com os demais números, cada um com seu significado próprio, com sua função simbólica no Cosmo. Pitágoras ensinava que “tudo é número”, não no sentido de que tudo pudesse ser quantificado, mas no sentido de que tudo é ordenado, harmônico, proporcional. O universo, para ele, era uma grande sinfonia, na qual os números eram as notas musicais, e as leis da natureza, a partitura.
O estudo da Aritmética, portanto, não se limita à mera manipulação de símbolos. Ele te convida à contemplação dos números, à descoberta de suas propriedades, à compreensão de suas relações. Mas, não te enganes! A contemplação não é um fim em si mesma. Ela deve conduzir à ação, à aplicação dos conhecimentos adquiridos na vida prática. Assim, o bom aritmético, a exemplo de um músico, não se contenta apenas em conhecer as notas musicais e as regras da harmonia, mas as usa para compor belas melodias, para tocar instrumentos, para cantar. Do mesmo modo, o bom aritmético 20 não se contenta apenas em conhecer os números e suas propriedades, mas os usa para resolver problemas práticos, para construir edifícios, para navegar pelos mares, para desvendar os mistérios da natureza.
Mas, por que estudar os números abstratamente? Qual a sua relevância para nós, que vivemos num mundo concreto, palpável? A resposta está na própria natureza da realidade. O mundo que nos cerca, por mais concreto que pareça, é permeado por relações numéricas, por proporções, por harmonias que só podem ser apreendidas pelo intelecto. A música, por exemplo, é a arte que organiza os sons em intervalos e ritmos, criando melodias que nos encantam e nos elevam. Mas, por trás da beleza musical, esconde-se uma estrutura matemática rigorosa, uma harmonia numérica que só pode ser compreendida pela Aritmética.
Exercícios:
Escolha um número qualquer, como por exemplo, o número 7. Em seguida, faça uma lista de todas as suas propriedades: é ímpar, é primo, é a soma de 3 e 4, etc.
Pesquise o significado simbólico do número 7 em diferentes culturas: na Bíblia, na mitologia grega, na numerologia, etc.
Imagine que você está construindo uma casa. Como você usaria a aritmética para calcular as dimensões dos cômodos, a quantidade de tijolos e de cimento, o custo da obra, etc.?
Olha à tua volta, meu caro membro. O que vês? Paredes, janelas, portas, móveis, livros, quadros. Todos esses objetos, por mais diversos que sejam, têm algo em comum: possuem forma. Uns são quadrados, outros circulares, outros ainda triangulares. E há, também, os que combinam formas diversas, em harmoniosa composição, qual uma bela sinfonia visual. A Geometria, a segunda das artes do Quadrivium, te convida a contemplar a beleza e a ordem das formas 21. Ela te ensina a discernir os padrões que se escondem por trás da aparente desordem da natureza, a desvendar os segredos da simetria e da proporção. Não te enganes, porém, pela aparente simplicidade dos seus elementos, pois sob o véu da concretude escondem-se abismos de abstração, e só com o auxílio da razão poderás desvendá-los.
Para os antigos, a Geometria não se limitava ao estudo das formas abstratas, dos triângulos e dos círculos desenhados em papiros ou tábuas de cera. Eles viam a geometria em toda parte: nas pétalas de uma flor, nas conchas do mar, nas asas de uma borboleta, no curso dos astros, na estrutura do próprio corpo humano. Pitágoras, o mestre da harmonia, ensinava que a Geometria é a música dos olhos. Assim como a Música nos deleita com a harmonia dos sons, a Geometria nos encanta com a beleza das formas.
A Geometria, porém, não se limita ao mundo visível. Ela nos conduz, também, ao mundo invisível, ao reino das ideias e das essências. Através da contemplação das formas geométricas, aprendemos a abstrair, a generalizar, a conceituar. Descobrimos que por trás da multiplicidade das formas sensíveis, existe a unidade das formas inteligíveis. Euclides, o pai da Geometria, demonstrou isso em seus Elementos 22. A partir de definições simples e axiomas evidentes, ele construiu um sistema lógico rigoroso, capaz de explicar a estrutura do espaço e de todas as formas que nele existem. A Geometria, como toda ciência, parte de princípios basilares, de verdades evidentes por si mesmas, os quais os antigos denominavam definições. Assim, Euclides inicia-te nos mistérios desta arte apresentando-te o ponto, a linha, o plano e o sólido – os tijolos com os quais se constroem todas as formas. O ponto, que não tem partes, é o princípio de tudo; a linha, um contínuo de pontos, estende-se em uma dimensão; o plano, por sua vez, uma superfície de linhas, expande-se em duas dimensões; e o sólido, por fim, um corpo de planos, ocupa o espaço em suas três dimensões. Cada figura geométrica possui suas propriedades, suas relações, suas harmonias. O triângulo retângulo, por exemplo, obedece ao famoso Teorema (Os teoremas são verdades demonstradas a partir dos axiomas e das definições; eles te mostram a necessidade que rege as formas, a impossibilidade de serem de outro modo; demonstração, por sua vez, é o caminho que te conduz à evidência do teorema, é a luz que ilumina a tua mente; não te contentes, porém, com a mera enunciação do teorema. Busca a demonstração, percorre os seus passos, e verás como a tua inteligência se alegrará ao contemplar a beleza da verdade) de Pitágoras, que relaciona os quadrados dos catetos com o quadrado da hipotenusa. A contemplação destas relações te conduzirá à compreensão da ordem e da beleza que permeiam o universo.
O estudo da Geometria, portanto, não é um mero exercício intelectual, uma ginástica mental sem aplicação prática. Ela nos ensina a construir o mundo, a ordenar o espaço, a dar forma à matéria. Os arquitetos, os engenheiros, os artistas, os artesãos – todos aqueles que trabalham com a forma – utilizam a Geometria em suas criações. Através dela, eles transformam a natureza, dando-lhe beleza, funcionalidade e harmonia. A arquitetura, por exemplo, é a arte de construir com beleza e solidez. Ela se vale dos princípios da Geometria para criar edifícios que, além de serem úteis, sejam também agradáveis aos olhos e à alma.
Mas a Geometria não se limita ao mundo exterior. Ela também se reflete no mundo interior, na alma humana. A alma, para Platão, é como um cavalo alado, guiado pela razão. A razão, por sua vez, para funcionar corretamente, precisa ser educada, disciplinada, ordenada. E a Geometria, pela sua clareza, pelo seu rigor, pela sua beleza, é um dos melhores instrumentos para educar a razão.
Exercícios:
Observe as formas geométricas que te rodeiam: no teu quarto, na tua casa, na rua, na natureza. Tente identificá-las e classificá-las: quadrados, círculos, triângulos, cubos, esferas, etc.
Desenhe algumas formas geométricas: um quadrado, um círculo, um triângulo. Use régua e compasso, se quiseres. Em seguida, pinte-as com cores que te agradem.
Imagine que você é um arquiteto e que vai projetar uma casa. Que formas geométricas você usaria? Como você as combinaria para criar um edifício belo, funcional e harmonioso?
Fecha os olhos, meu caro membro, e escuta. O que ouves? O canto dos pássaros, o rumor do vento nas folhas, o murmúrio da água no riacho, o burburinho da cidade ao longe. Todos esses sons, por mais diversos que sejam, combinam-se numa harmonia, numa melodia que te envolve, que te acalma, que te transporta para além do mundo visível. Abre os olhos agora e observa. O que vês? A dança das chamas na lareira, o vaivém das ondas no mar, o balé das nuvens no céu, a sinfonia das cores no jardim. Todos esses movimentos, por mais diversos que sejam, obedecem a um ritmo, a uma cadência, a uma ordem. A Música, a terceira arte do Quadrivium, te revela a harmonia secreta que permeia o universo. Ela te ensina a ouvir a música das esferas celestes, a dançar no ritmo do cosmos, a vibrar na frequência do amor.
Os pitagóricos já o sabiam. Eles viam na Música a alma do mundo, a força invisível que move os astros, que anima a natureza, que harmoniza os elementos. Para eles, o universo era uma grande lira, tocada por Deus, e cada criatura, uma corda vibrante, emitindo um som único, que se combinava com os demais na sinfonia cósmica.
A harmonia, porém, não é a mera ausência de conflito, a uniformidade monótona dos sons idênticos. Ela é, antes, a combinação dos contrários, a fusão dos opostos, a dança dos diferentes. Assim como na música, as notas graves e agudas, os sons fortes e fracos, os ritmos lentos e rápidos se combinam para criar a melodia, também no universo os elementos opostos — fogo e água, terra e ar, luz e trevas — se harmonizam para gerar a vida.
O ritmo, por sua vez, é o princípio ordenador do tempo. Ele marca a pulsação do universo, o compasso da vida, a cadência da alma. Aprende a ouvir o ritmo da tua própria respiração, o bater do teu coração, o fluir dos teus pensamentos. Sincroniza-te com o ritmo da natureza, com o ciclo das estações, com a dança dos astros.
A Música, porém, não se limita ao mundo exterior. Ela ressoa, também, no interior da alma humana 23. A alma, para os antigos, era como um instrumento musical, que podia ser afinado ou desafinado, harmônico ou dissonante. A educação musical, portanto, era vista como um meio de afinar a alma, de harmonizar as suas paixões, de elevá-la à contemplação do Belo e do Bom.
Exercícios:
Escuta com atenção os sons da natureza: o canto dos pássaros, o rumor do vento, o murmúrio da água. Tenta perceber o ritmo, a melodia, a harmonia que existe neles.
Experimenta tocar algum instrumento musical, como um violão, um piano, uma flauta. Sente a vibração dos sons, a harmonia dos acordes, o poder da música para mover a alma.
Compõe uma melodia simples, usando apenas algumas notas musicais. Deixa que a tua intuição te guie, que a tua alma se expresse através dos sons.
Olha para o céu, meu caro, e maravilha-te! Quantas luzes! Quantas cores! Que imensidão! Desde tempos imemoriais, o céu noturno tem fascinado a humanidade, inspirando poetas e sábios, alimentando sonhos e medos, conduzindo os homens à busca da ordem e do sentido em meio ao caos. O primeiro passo, como já vimos, é o reconhecimento dos astros, os quais os antigos entendiam como entes vivos, dotados de vontade própria, que se moviam em um curso cíclico e previsível. Estrelas, planetas, cometas, meteoros – cada um deles tinha um nome e um lugar nesse grandioso teatro cósmico. Para bem os ordenarmos, imagine uma esfera gigantesca e transparente, que engloba toda a Terra. Essa é a esfera celeste, no centro da qual está a Terra, nosso ponto de referência. Fixas em sua superfície interna estão as estrelas, que parecem mover-se em uníssono de leste a oeste, como que pregadas em um tecido de seda azul. Os planetas, porém, não se comportam assim. Eles se movem mais lentamente que as estrelas fixas, e por isso mesmo são chamados errantes. Mas, errantes, sim, mas não a ponto de vaguear sem rumo. Seus movimentos são cíclicos e ordenados, cumprindo-se com precisão admirável segundo leis e tempos por nós conhecidos. O Sol, a Lua e os cinco planetas visíveis a olho nu – Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno – são, pois, os atores principais desta dança celeste. E, embora hoje saibamos que o Sol está no centro do sistema planetário e que a Terra gira em torno dele, continuemos fiéis à visão dos antigos e imaginemos que todos eles, estrelas e planetas, se movem em torno da Terra. É esta a visão geocêntrica, que é a visão, insista-se, própria da astronomia enquanto arte liberal. 24
Na esfera celeste, que, como vimos, engloba toda a Terra, estão desenhados os caminhos pelos quais as estrelas e os planetas se movem. O primeiro desses caminhos é o Equador Celeste, que divide a esfera em dois hemisférios, o Norte e o Sul. A projeção do Equador Terrestre na esfera celeste é precisamente este Equador Celeste, de tal modo que, para que possamos imaginar sua localização, basta pensarmos em um plano que corte a Terra no Equador e se estenda até a esfera, dividindo-a em duas metades iguais. O segundo caminho, importantíssimo, é o da Eclíptica, pelo qual o Sol aparentemente transita no céu, de leste a oeste. A Eclíptica, que também corta a esfera celeste em dois hemisférios, cruza o Equador Celeste em dois pontos, o do Equinócio Vernal e o do Equinócio Outonal. Estes pontos marcam a entrada do Sol nos signos, respectivamente, de Áries e de Libra. Assim, o ponto vernal marca o início da Primavera e o outonal, o do Outono. E, completando os marcos temporais, em sua marcha pelo Zodíaco, o Sol atinge, entre os dois equinócios, o ponto mais alto no céu, o Solstício de Verão (que marca a entrada do Sol em Câncer), e o mais baixo, o Solstício de Inverno (que marca a entrada do Sol em Capricórnio). É por esses caminhos que os planetas também se movem, com a diferença de que, ao contrário do Sol que sempre anda numa mesma direção (de oeste para leste), os planetas por vezes parecem retroceder, andar na direção oposta (de leste para oeste). E, de fato, eles retrocedem em alguns períodos do ano. Vê-se pois, meu caro, como a observação do movimento dos astros nos dá a noção dos ciclos temporais e, a partir daí, a medida do tempo. De fato, dia e noite são determinados pela rotação da Terra; as estações do ano, pela inclinação do eixo terrestre e pela marcha do Sol no zodíaco; e os meses, pela mudança de fase da Lua, de nova a cheia.
Na esfera celeste, que se move majestosamente a cada dia e a cada noite, as estrelas fixas formam desenhos e figuras que os antigos, movidos pela imaginação e pelo desejo de ordem, batizaram de constelações. Ursa Maior, Ursa Menor, Órion, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário, Peixes – esses são os nomes das constelações que se encontram ao longo do caminho do Sol, chamado de Zodíaco. Aprender a reconhecer esses desenhos no céu, bem como seus nomes, é a iniciação à arte da Astronomia. De início, você precisará de um mapa celeste, ou de um bom programa de computador, com o qual possa simular o movimento da esfera em sua cidade, de modo que identifique a posição de cada constelação em cada época do ano. Em seguida, de posse do mapa, saia à noite de casa – de preferência, numa noite sem nuvens e com pouca luz artificial – e procure, olhando para o céu, por cada uma das constelações. Você pode, para facilitar a tarefa, começar pelas mais evidentes, como a Ursa Maior e a Órion. Note a posição de cada uma delas, para que, na próxima noite, possa encontrá-las com mais facilidade. 25
A observação sistemática dos astros ao longo dos séculos levou os antigos a perceberem que os ciclos celestes e os da Terra estão como que entrelaçados. A mudança de fase da Lua, por exemplo, parece coincidir com o ciclo menstrual das mulheres. A enchente e a vazante das marés também se ajustam às fases lunares. As estações do ano, que marcam os melhores tempos para a agricultura, são determinadas pela posição do Sol no zodíaco, assim como também o são os melhores períodos para as pescas e as caçadas. Essas correlações, notadas pelos antigos, levaram-nos à arte da Astrologia, a qual procura decifrar a linguagem dos astros e sua influência sobre a Terra e seus habitantes. 26
Deve, porém, o estudioso cristão ter cautela com relação a esta arte. Primeiramente, porque ela facilmente descamba para o determinismo, a crença de que o futuro do homem esteja preestabelecido e de que ele nada possa fazer para mudá-lo. Mas, como já vimos, o homem é livre. Livre, sim, para bem ou para o mal, mas livre. E é essa liberdade que lhe dá a dignidade de imagem e semelhança de seu Criador, o qual, se é onipotente, não é, todavia, tirano. O Universo que Ele criou é um kósmos, um Cosmo, um arranjo ordenado e harmônico de todas as coisas, cada qual em seu lugar e cumprindo sua função. O homem, que é também um microcosmo, reflete esta ordem em sua própria natureza, no que tange ao corpo e à alma, e pode elevá-la ainda mais, na medida em que cultive as virtudes e se conforme à ordem da Graça, que Deus lhe concede.
Conforme já te foi ensinado, a natureza, em sua beleza e ordenamento, é tida como um livro a ser lido por aqueles que se dedicam aos estudos das Artes Liberais. As leis que governam a ordem e harmonia do Cosmo, estampadas nos ciclos astronômicos, são como as letras impressas nas páginas desse livro e, para entendê-las, é necessário primeiro que nos familiarizemos com o alfabeto em que foram escritas; em seguida, que as combinemos em sílabas, palavras e frases; por fim, poderemos ler o livro como um todo. Assim, a Astronomia, como uma das Artes Liberais, nos prepara para a leitura desse grande livro da natureza, que, como o livro de qualquer bom autor, é repleto de ensinamentos. Esses ensinamentos, porém, não nos chegarão sem que os busquemos, sem que os leiamos com atenção, com esmero, e com a devida humildade.
Espero, com estas lições, ter-te despertado ao menos uma centelha de admiração e de curiosidade pelo céu noturno. Que olhes para as estrelas com outros olhos, não mais como meros pontos brilhantes e distantes, mas como atores nesse grandioso teatro cósmico no qual participamos. Que te deixes encantar pela dança dos planetas e pela música das esferas, que os antigos sábios ouviam com ouvidos atentos. E, por fim, que busques, na contemplação da ordem e da beleza do Cosmo, um reflexo da Sabedoria e do Amor de seu Criador.
Meu caro aluno 27,
Se chegaste até aqui, já deves ter-te convencido da beleza e da utilidade das Artes Liberais. Elas, como velhas amigas, acompanharam-te por entre os tortuosos caminhos do saber, deram-te as ferramentas para a conquista da linguagem e do raciocínio, e, decerto, já te mostraram, ainda que de modo fugidio, a resplandecente luz da verdade 28. Mas, para que não te contentes com apenas um vislumbre, mas sim que a contemple, face a face, com clareza e com amor, é preciso que te aventures por uma senda ainda mais elevada: a senda da contemplação. A contemplação é a meta última da vida intelectual e espiritual. Ela é o fruto maduro de uma longa jornada, a recompensa por todos os trabalhos e sacrifícios que empreendeste ao longo do caminho.
O homem, zoon logikón, animal racional, deseja por natureza o saber. Mas, o saber não é um fim em si mesmo. Ele se ordena a um bem maior, a um bem que sacia a sede da alma e a faz repousar: a verdade. A verdade, porém, não é algo que se conquista pela força, nem se acumula como um tesouro. Ela se revela, antes, à mente preparada, à alma purificada. Ela é como a luz do sol, que ilumina a paisagem e a torna visível; mas, para que a vejamos, é preciso que abramos os olhos, que os voltemos na sua direção. Assim também, para contemplar a verdade, é preciso que preparemos a nossa alma, que a purifiquemos dos vícios e das paixões desordenadas, que a libertemos dos grilhões da ignorância e do erro. E essa preparação se dá pela ascese intelectual.
A ascese intelectual é o exercício da mente em ordem à verdade. Ela exige disciplina, esforço e perseverança. Exige também a renúncia aos prazeres efêmeros, aos deleites sensoriais que distraem a alma e a afastam da sua meta. Não se trata, porém, de uma renúncia triste, amargurada, mas sim de uma renúncia alegre, que visa a um bem maior. É como a renúncia do atleta que se priva dos excessos da gula para fortalecer o seu corpo e alcançar a vitória. Assim também, o asceta intelectual renuncia aos prazeres vãos para fortalecer a sua alma e alcançar a verdade.
A contemplação da verdade é a mais alta alegria que a alma humana pode experimentar. Ela sacia a sede do saber, acalma a agitação da mente e conduz à paz interior. É como a experiência do viajante que, após uma longa e penosa jornada, chega finalmente ao seu destino e, contemplando a beleza da paisagem, sente-se em paz. Assim também, o filósofo, após uma longa e árdua busca, chega à contemplação da verdade e, sentindo a sua beleza e a sua ordem, sente-se em paz.
As Artes Liberais, como velhas mestras, conduziram-te até aqui. Elas abriram-te os caminhos da linguagem, da matemática, da lógica, da retórica, da música, da astronomia. Agora, porém, no limiar da contemplação, cabe-te a ti integrar esses saberes, unificá-los em uma visão harmônica e completa do mundo – na visão do Logos divino que tudo permeia e ordena. Não se trata de apagar as distinções, de diluir as diferenças, mas de reconhecer a unidade subjacente à multiplicidade. É como a experiência do músico que, ao compor uma sinfonia, combina diversos instrumentos e melodias, ritmos e harmonias, em uma única obra de arte. Assim também, o sábio integra os saberes que adquiriu em uma visão harmônica do mundo, na qual se manifesta a beleza, a ordem e a inteligência do Criador. E essa visão, caro amigo, é a que te convido a contemplar. Que ela te ilumine e te guie ao longo de toda a tua vida.
Caro aluno,
Se te lançar no estudo das Artes Liberais, na leitura dos clássicos, na contemplação da verdade – em suma, se abraçar a vida intelectual – é como semear um jardim. As sementes já estão em ti, plantadas por Deus. Cabe-te a ti, porém, cultivá-las com carinho, para que germinem, floresçam e deem bons frutos. A vida do estudante é uma vida de ascese. Não a ascese dos eremitas e anacoretas, que se retiram ao deserto para fugir do mundo, mas a ascese que se realiza no mundo, em meio aos seus afazeres e deveres. É a ascese da mente e do coração, que busca ordenar as paixões e elevar o espírito.
A humildade é a virtude primeira do estudante. Ela é a raiz de todas as demais virtudes intelectuais. Sem ela, não há aprendizado possível. O estudante soberbo, que se imagina já sábio, fecha-se ao conhecimento, pois não admite a própria ignorância. Ele se contenta com o superficial, com o fácil, com o que lhe agrada. Não se esforça para ir além, para questionar, para duvidar. O estudante humilde, porém, reconhece a própria ignorância e, por isso mesmo, está sempre disposto a aprender. Ele não tem vergonha de perguntar, de errar, de recomeçar. Ele sabe que a verdade é um tesouro que se encontra nas profundezas, e que para alcançá-lo é preciso cavar, suar, e por vezes até sangrar.
A disciplina e a persistência são as duas virtudes que sustentam a vida do estudante. Sem elas, a preguiça e a inconstância o vencerão. A disciplina é a ordem interior que nos impele a fazer o que deve ser feito, no momento certo e da maneira correta. Ela nos afasta da dispersão, do caos, da procrastinação. A persistência é a força de vontade que nos impele a continuar, mesmo diante das dificuldades e dos obstáculos. Ela nos afasta do desânimo, da frustração, do abandono.
O silêncio e a solidão 29 são os dois grandes aliados do estudante. Eles proporcionam à alma o ambiente ideal para a meditação e a contemplação. No silêncio, a mente se aquieta e se volta para o interior. No turbilhão do mundo, somos bombardeados por uma multidão de estímulos sensoriais que distraem a nossa atenção e nos impedem de pensar com clareza. Na solidão, libertamo-nos da pressão social, das opiniões alheias, dos julgamentos dos outros. No convívio social, somos constantemente influenciados pelas ideias, pelos valores e pelos comportamentos dos outros, o que pode impedir o nosso desenvolvimento intelectual e moral.
A amizade e a comunidade são também importantes para o estudante. Elas proporcionam o estímulo e o apoio mútuo, a troca de ideias e a correção fraterna. O estudante não deve isolar-se do mundo, nem fechar-se em um círculo estreito de amizades. Deve, sim, buscar a companhia de pessoas que compartilhem seus ideais e o auxiliem em sua jornada. O Consortium Doctrinae é justamente um exemplo disso: uma comunidade de estudantes unidos pelo amor à sabedoria, que se auxiliam mutuamente em sua busca pela verdade.
A leitura é o alimento da alma. Ela nos nutre com ideias, nos inspira com exemplos, nos eleva à contemplação. O estudante deve cultivar o hábito da leitura, lendo diariamente boas obras - clássicos da literatura, da filosofia, da teologia, da história. Assim como o corpo precisa de alimento para crescer e se fortalecer, assim também a alma. Mas não basta apenas ler, é preciso também meditar sobre o que se lê, extrair o sumo das ideias, assimilá-las à própria alma. A leitura sem meditação é como a comida que não é digerida: não nutre, não fortalece.
A vida do estudante é uma vida de constante aprendizado. É uma jornada que não tem fim, pois a verdade é inesgotável. Mas não te desanimes! A cada passo que dás, a cada novo conhecimento que adquires, a cada nova virtude que cultivas, a tua alma se torna mais bela, mais forte, mais livre. E essa liberdade, que é a liberdade dos filhos de Deus, é a verdadeira recompensa da busca pela sabedoria.
Meu caro aluno,
Chegamos a um ponto em que, talvez, te sintas algo desalentado. As promessas de uma educação libertadora, de um mergulho no oceano da cultura, de um encontro com a verdade, tudo isso a que te convidei, agora te parece, quiçá, uma utopia distante e inalcançável. Observas o mundo ao redor, este mundo moderno infestado de tecnologias que prometem a felicidade, e vês o homem cada vez mais escravo de suas paixões, cada vez mais alienado da realidade, cada vez mais distante de Deus. E perguntas-te, com razão: “Mas há esperança? Será possível, em meio a este caos, renascer a tradição educacional clássica, liberal e católica?” Sim, afirmo-te, com a certeza de quem já vislumbrou, ainda que de modo tênue, a aurora de um novo dia. Mas, para que tal se concretize, é preciso que estejamos dispostos a lutar. Que sejamos como bravos guerreiros medievais, que, armados de fé e de razão, se lançam ao combate em nome de um ideal.
O mundo moderno é um mundo doente. Sua alma está contaminada por três grandes males: o Consumismo, a Tecnocracia e o Niilismo. O consumismo é a idolatria das coisas materiais, o desejo insaciável por prazeres efêmeros, a crença de que a felicidade se encontra na posse de bens, na acumulação de riquezas. A tecnocracia é a idolatria da técnica, a crença de que a ciência e a tecnologia são capazes de resolver todos os problemas humanos, a desconfiança na razão e no bom senso. O niilismo é a negação de todos os valores, a descrença na verdade, no bem e na beleza, o pessimismo que conduz ao desespero e à inação.
Diante desses males, só nos resta uma opção: lutar por um novo renascimento cultural. Um renascimento que restaure a tradição educacional clássica, liberal e católica, e que forme homens e mulheres para a liberdade e para a verdade. Mas, como fazer isso? Por onde começar?
As Artes Liberais são as ferramentas que nos permitem escapar da caverna, as armas com que combatemos a ignorância e o erro. Elas nos ensinam a pensar, a discernir, a argumentar, a contemplar. Em suma, são elas que nos formam para a vida intelectual.
Mas não basta apenas conhecer as Artes Liberais. É preciso também criar novas instituições de ensino, escolas clássicas e livres, que as tenham como fundamento. Escolas que, ao invés de se curvarem ao utilitarismo do mercado de trabalho, formem homens e mulheres para a vida plena, para a busca da verdade, para a contemplação do belo. Escolas que, ao invés de se curvarem à tecnocracia, ensinem a pensar criticamente, a questionar, a duvidar. Escolas que, ao invés de se curvarem ao niilismo, inspirem os alunos com os grandes ideais da humanidade, com a beleza da virtude, com o amor à verdade.
A educação é uma missão. É o dever de transmitir às futuras gerações o patrimônio cultural e intelectual que recebemos dos nossos antepassados. É o dever de formar homens e mulheres para a liberdade e para a verdade. Essa missão é árdua e exige sacrifícios. Mas é também a mais nobre e recompensadora das missões, pois contribui para a salvação das almas e para a glória de Deus. Coragem e esperança! Lança-te, pois, a essa nobre missão, e sê como uma pequena chama que, acesa no meio da escuridão, ilumina o caminho para os outros.
E que Deus te abençoe e te guie nesta jornada!
E assim, caro amigo, chegamos ao fim desta breve, mas esperançosamente fecunda, jornada pelos caminhos da Educação Clássica, Liberal e Católica. Rogo-te que, ao fechares este opúsculo, não o faças com a frieza de quem apenas cumpriu uma tarefa, mas sim com o calor de quem acendeu em sua alma uma nova chama, uma chama que, por sua vez, há de iluminar os teus passos por entre as sendas tortuosas que te esperam.
Se, porventura, encontrar algum erro ao longo destas páginas – e rogo a Deus que não o tenha feito, mas, sendo homem, falível sou – , espero que, com tua perspicácia e benevolência, saibas perdoá-lo. Lembra-te: não pretendi, aqui, compor um tratado científico, rígido e meticuloso, mas tão somente um guia, um roteiro para a tua própria jornada em busca da sabedoria.
Por isso mesmo, evitei, o quanto possível, a aridez dos tópicos e das listas, e procurei, sim, tecer um discurso que te tocasse a alma e te inspirasse a prosseguir. Se fui bem-sucedido nesta empresa – e és tu quem o saberás, ao final – , então devo agradecer a Deus, que me concedeu a graça da palavra, e ao Espírito Santo, que a iluminou.
Que o mesmo Espírito Santo, porém, te ilumine também a ti, para que tenhas compreendido bem o que eu, humildemente, tentei ensinar. Que Ele te dê a força e a perseverança necessárias para que continues a buscar a verdade, a beleza e o bem, e que, ao fim desta longa jornada, possas contemplar, face a face, a Luz que tudo ilumina.
Vade mecum, et vale!
A memória 30, meu caro amigo, é um dom precioso que nos foi concedido por Deus para que possamos navegar pelos mares da vida, guiados pela experiência do passado. Ela é a âncora que nos firma em meio às tormentas do presente e nos impulsiona em direção aos horizontes do futuro. Através da memória, guardamos em nós as imagens, os sons, os sabores, os aromas e as texturas das coisas que nos rodeiam, bem como as ideias, os conceitos, os sentimentos e os conhecimentos que adquirimos ao longo da jornada.
Mas, não te iludas! A memória não é uma mera caixa de Pandora, um depósito passivo de lembranças. Ela é, sim, uma faculdade ativa da alma, que seleciona, organiza, interpreta e recria os dados que recebe, transformando-os em um mosaico singular e único, a imagem mesma de quem somos. Para que a memória cumpra seu mister com a devida eficácia, é mister que a eduquemos, que lhe demos disciplina e alimento. E é aqui que entra a Arte da Memória, a Mnemotécnica, que nos ensina a domar esse cavalo xucro que é a memória natural e a transformá-lo em um corcel de corrida, capaz de vencer os mais árduos desafios. Conforme aprendeste nas primeiras lições, a memorização se dá em etapas. Primeiramente, os nossos cinco sentidos, como janelas abertas para o mundo, captam as formas sensíveis das coisas, as quais a imaginação, qual hábil pintor, retrata internamente na forma de imagens, que chamamos de fantasmas. Estes, por sua vez, são retidos pela memória sensível, um tesouro de impressões e sensações.
Mas o homem não é um mero animal sensível, ele é também racional, dotado de um intelecto que penetra nas profundezas das coisas, buscando-lhes a essência, a forma imutável que se esconde por baixo da multiplicidade dos acidentes. E a essa essência, captada pela inteligência, damos o nome de conceito, que a memória intelectual guarda com zelo. De ambas as memórias, a sensível e a intelectual, a primeira é que retém mais naturalmente, pois é a mais próxima dos sentidos. Por isso, para memorizarmos com mais facilidade, devemos valer-nos de imagens e associações vívidas, que despertem a nossa imaginação e os nossos sentimentos. E foi assim, aliás, que os antigos, guiados pela intuição, desenvolveram a Arte da Memória. Eles criavam "palácios mentais", lugares imaginários, porém familiares, nos quais dispunham as imagens que evocavam as ideias que desejavam lembrar.
Repetir mecanicamente aquilo que se quer memorizar é um método tão tolo quanto tentar domar um cavalo selvagem a chicotadas. Para que a memória opere com eficácia, é preciso alimentá-la com aquilo que lhe apraz: a ordem e a beleza.
Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico, nos legou quatro conselhos preciosos para a memória: a veemência, a repetição, a ordem e o recurso aos princípios. A veemência é o fogo da paixão que inflama a alma e grava a ferro as ideias. A repetição é o martelo que, golpe a golpe, fixa os pregos na memória. A ordem é a arquitetura que dá estrutura e beleza ao edifício do conhecimento. Os princípios são as janelas que iluminam os compartimentos da mente, permitindo-nos encontrar com facilidade o que buscamos. Mas a memória, mesmo a mais bem treinada, é como um jardim: precisa ser constantemente cultivada, ou será tomada pelas ervas daninhas do esquecimento.
Não te desesperes, porém, se algo se perder! A reminiscência, a capacidade de evocar o que foi esquecido, vem em teu socorro. Ela é como um cão farejador que, guiado pelo teu olfato, busca as pegadas perdidas nas areias da memória. E, para que a reminiscência opere com presteza, é mister valer-se de bons princípios: imagens, associações, analogias que te remetam àquilo que buscas. Lembre-se da lei da primazia e da recência, que te diz que as primeiras e as últimas coisas são mais facilmente lembradas, bem como a lei do contexto, que te mostra a importância de recriar o ambiente no qual a memória foi originalmente adquirida.
Assim, meu caro aluno, munido dos conselhos dos antigos e das técnicas que te ensinei, poderás enfrentar com denodo os desafios da memorização e da evocação. No entanto, não te esqueças jamais de que a memória não é um fim em si mesma, mas um instrumento a serviço do saber, da virtude e da santidade. Usa-o com sabedoria!
Meu caro amigo,
Após te haveres compenetrado da nobreza da vocação intelectual e das virtudes que a ela se ordenam, cabe-nos agora, a ti e a mim, adentrarmos os pormenores da vida do estudioso. Não te assustes com a aparente profusão de conselhos que se seguirão! Lembra-te de que a vida intelectual, a exemplo da vida em geral, é um caminho que se trilha passo a passo. O que importa é que, em cada passo, ajamos com retidão e discernimento, buscando o bem e a verdade que nos foram prometidos. A senda que te conduz aos cimos do saber, não se percorre, como talvez imaginavas, apenas com o intelecto. É mister, sim, que cultivemos a inteligência; mas esta, se não for guiada pela reta razão e amparada pelas virtudes, descambará em labirintos e precipícios. Lembra-te, pois, do que os antigos mestres nos ensinaram: a virtude é a saúde da alma, assim como a saúde é a virtude do corpo. E, para que a alma opere em plenitude, é preciso que o corpo esteja são e vigoroso, bem como, inversamente, o corpo só se conserva são se a alma estiver em paz. Cultiva, portanto, as virtudes comuns a todo cristão: a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança. Sê sóbrio e casto, paciente e perseverante, humilde e caridoso. Aprende a dominar as tuas paixões, a vencer a preguiça e a dissipação, a fugir das tentações e vaidades do mundo. Mas, para além destas virtudes comuns, há uma virtude que é a própria alma da vida intelectual: a estudiosidade. Não a confundas com a mera curiosidade ou com a ambição de saber! A estudiosidade é o amor à verdade, o desejo de conhecê-la e de contemplá-la, a paixão que nos move à investigação e ao estudo.
A vida intelectual, para que floresça e dê frutos, requer uma disciplina rigorosa, mas, ao mesmo tempo, maleável. É preciso que ordenemos o nosso tempo, o nosso espaço e as nossas relações, de sorte que tudo concorra para o nosso fim. Simplifica, meu caro discípulo! Despoja-te dos excessos e das futilidades que te desviam do essencial. Aprende a dizer “não” aos convites sedutores da vaidade e da dissipação, aos reclamos interesseiros do mundo. Guarda a tua solidão como um tesouro, pois é nela que o espírito encontra a paz e a inspiração. Não te tornes, porém, um eremita enclausurado em sua torre de marfim! O intelectual não é um ser isolado, mas um membro da sociedade, um cidadão do mundo. Cultiva, sim, as relações necessárias, mas com moderação e discernimento. Frequenta os teus iguais, aqueles que compartilham do teu amor ao saber e da tua busca pela verdade, e com eles conversa, debate, aprende e ensina. Aprende, também, com aqueles que são diferentes de ti, que trilham outros caminhos. Lembra-te de que a ação exterior é um complemento necessário à vida interior, que o trabalho manual pode ser um bálsamo para a mente cansada. Não te furtes, pois, aos deveres que a vida te impõe, mas busca integrá-los à tua vocação intelectual, de sorte que tudo concorra para o teu bem e para o bem dos teus irmãos.
A oração é o alimento da alma, assim como o pão é o alimento do corpo. Sem ela, o espírito definha e a inteligência se obscurece. Ora, pois, sem cessar! Não te limites às preces da manhã e da noite! Faz da tua vida uma oração contínua, elevando o teu coração a Deus em todos os momentos, em todos os lugares, em todas as tuas ações. Busca, no silêncio da tua alma, a presença do Espírito Santo, que te ilumina e te guia. Põe em Suas mãos os teus estudos e trabalhos, e Ele te concederá a sabedoria e a força de que necessitas. E não te esqueças de pedir a intercessão da Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe nossa, que te acompanhe na tua jornada e te conduza à Verdade.
O tempo é um dom precioso que não devemos desperdiçar. Aprende a administrá-lo com sabedoria, dividindo-o entre o trabalho e o repouso, a solidão e a ação. Consagra, todos os dias, algumas horas ao estudo e à meditação, escolhendo para isso os momentos em que teu espírito está mais disposto e a tua alma mais serena. Aproveita, porém, também os momentos de ócio, os instantes de inspiração que a Providência te concede, para recolher ideias e pensamentos. Não desprezes a noite! Ela é a grande aliada do pensador, que nela encontra a paz e a inspiração. Anota as ideias que te acodem em sonhos ou ao despertar, pois muitas vezes são as mais originais e fecundas. O serão, por sua vez, é um momento de repouso e de restauração. Dedica-o à família, à leitura, à música, à contemplação da natureza. Retempera as tuas forças para que possas, no dia seguinte, retornar ao trabalho com novo vigor.
A escolha do que estudar é uma questão de vocação. Não te deixes levar pela moda, nem pelas opiniões alheias. Busca o que realmente te interessa, o que inflama o teu coração e desperta a tua inteligência. Não te contentes, porém, com uma única disciplina! A ciência comparada, isto é, o estudo de diversas áreas do conhecimento, te dará uma visão mais ampla e profunda da realidade, e te ajudará a entender melhor a tua própria especialidade. Lembra-te de que todas as ciências estão interligadas, que a filosofia é a rainha das ciências, e a teologia, a rainha da filosofia. A especialidade, todavia, é necessária para que o teu trabalho seja frutífero. Escolhe a tua área de estudo com discernimento, e a ela consagra o melhor do teu tempo e das tuas forças.
O trabalho intelectual requer um espírito ardente, perseverante, disciplinado, humilde e aberto à verdade. Cultiva o ardor pela investigação, o desejo de conhecer as causas das coisas. Concentra a tua atenção no objeto de estudo, sem te deixares distrair por ninharias. Submete-te à verdade, ainda que ela te contrarie, pois só ela te libertará. Alarga os teus horizontes, buscando a unidade do conhecimento e a conexão entre as disciplinas. Não te contentes com o superficial, mas penetra nas profundezas do saber. E, sobretudo, cultiva o senso do mistério, a consciência de que o nosso conhecimento é limitado e que a verdade última está além do alcance da nossa razão.
A leitura, a organização da memória e a tomada de notas são os três pilares da preparação do trabalho intelectual. Lê pouco, mas lê bem! Escolhe com cuidado os teus autores e as tuas obras, buscando sempre o que há de melhor. Aprende a ler de forma analítica, interrogando o texto e buscando compreender o seu sentido profundo. Exercita a tua memória, utilizando as técnicas mnemônicas que te ensinei. Memoriza o que é essencial, o que te serve de base para o teu trabalho. Toma notas com discernimento, anotando apenas o que for realmente importante, o que te ajude a compreender e a recordar o que lestes ou meditaste. Organiza as tuas notas de forma clara e sistemática, para que possas consultá-las facilmente quando necessário.
A leitura é a porta de entrada para o mundo do saber. Através dela, entramos em contato com os grandes espíritos do passado, aprendemos com a sua experiência, enriquecemos a nossa alma com as suas ideias. Lê pouco, porém, meu caro discípulo, mas lê bem! Não te percas na vastidão da biblioteca, nem te deixes seduzir pela multiplicidade dos livros. Escolhe com discernimento as tuas leituras, buscando sempre o que há de melhor, o que te eleva e te inspira. Aprende a ler de forma ativa, interrogando o texto, buscando o seu sentido profundo. Faz da leitura um diálogo com o autor, um debate de ideias, uma busca pela verdade. E, sobretudo, assimila o que leres! Não te contentes em acumular informações, mas busca integrá-las ao teu ser, transformá-las em sabedoria, em alimento para a tua alma.
A memória é o tesouro da alma, onde guardamos os frutos da nossa experiência e os instrumentos do nosso trabalho intelectual. Cultiva a tua memória, meu caro aluno! Aprende a memorizar o que é essencial, utilizando as técnicas que te ensinei. Organiza os teus conhecimentos de forma clara e sistemática, para que possas acessá-los facilmente quando necessário. Não te esqueças, porém, de que a memória não é um fim em si mesma, mas um meio para o conhecimento e para a ação. Usa-a com sabedoria, para que ela te sirva na tua busca pela verdade e pelo bem.
Escrever é o coroamento do trabalho intelectual. É a expressão da tua alma, a manifestação da tua originalidade. Escreve com clareza, com simplicidade, com elegância. Busca a verdade e a transmite com fidelidade, sem te deixares levar pela vaidade ou pela ambição. Desapega-te de ti mesmo e do mundo, para que a tua obra seja um reflexo da Verdade, e não da tua personalidade. E, sobretudo, sê perseverante! Não desanimes diante das dificuldades, nem abandones o teu trabalho antes de o teres concluído. Lembra-te de que a paciência é a mãe da sabedoria.
O corpo é o templo da alma, e como tal deve ser cuidado com zelo e respeito. Não o entregues aos excessos e às paixões desordenadas! Alimenta-te com sobriedade, exercita-te com moderação, dorme o necessário, evita o que te vicia e te enfraquece. Aprende a domar os teus sentidos, a subjugar a tua carne, a fim de que o teu espírito possa ascender livremente às alturas.
O intelectual não é um ser à parte, mas um homem que vive no mundo e que tem de conciliar a sua vocação com os seus deveres. Guarda o contacto com a vida real, com a natureza, com a arte, com a sociedade. Aprende a distrair-te, a repousar a tua mente e o teu corpo, para que possas retornar ao trabalho com novo vigor. Aceita as provações com humildade e paciência, sabendo que elas são necessárias para o teu crescimento intelectual e moral. E, sobretudo, não te esqueças de saborear as alegrias da vida, pois são elas que te darão a força para superar as dificuldades. Goza, antecipadamente, dos frutos do teu trabalho, da alegria da descoberta, da satisfação de teres contribuído para o bem da humanidade e para a glória de Deus.
O trabalho intelectual exige ainda outras ferramentas que, embora não sejam propriamente virtudes, muito auxiliam no seu desenvolvimento e na sua organização. São elas a leitura, a organização da memória e a tomada de notas. Lê pouco, mas lê bem, meu caro aluno! Não te percas na vastidão da biblioteca, nem te deixes seduzir pela multiplicidade dos livros. Escolhe com discernimento as tuas leituras, buscando sempre o que te eleva e te inspira. Aprende a ler de forma ativa, interrogando o texto, buscando o seu sentido profundo. Faz da leitura um diálogo com o autor, um debate de ideias, uma busca pela verdade. E, sobretudo, assimila o que leres! Não te contentes em acumular informações, mas busca integrá-las ao teu ser, transformá-las em sabedoria, em alimento para a tua alma. Exercita a tua memória, utilizando as técnicas mnemônicas. Memoriza o que é essencial, o que te serve de base para o teu trabalho. Recorre aos lugares-comuns, aos entimemas, aos exemplos, às analogias. Toma notas com discernimento, anotando apenas o que for realmente importante, o que te ajude a compreender e a recordar o que lestes ou meditaste. Organiza as tuas notas de forma clara e sistemática, para que possas consultá-las facilmente quando necessário. Lembra-te, porém, de que as notas não são um fim em si mesmas, mas um meio para o conhecimento e para a ação. Usa-as com sabedoria, para que elas te sirvam na tua busca pela verdade e pelo bem.
Oração composta por Santo Tomás de Aquino, recomendada para ser usada nos estudos.↩︎
Chamar-te-ei desta forma por não saber teu nome.↩︎
Preservo, aqui, a tradição do nome. Entenda, pois, como "Lógica" toda vez que me referir à "Dialética".↩︎
Deves estar pensando: ’Está louco? Uma língua como o latim?’. Respondo-te: se não tiveres a paciência e a coragem para aprender latim em seis meses, por que, então, achas que podes aprender temas ainda mais complexos como a metafísica ou a teologia sagrada? Para o Latim, valem os livros da Coleção Familia Romana, de Hans Ørberg; e, para auxílio, nosso Curso de Latim gratuito no YouTube.↩︎
Perdoem-me se a abordagem dos temas parecer rápida e confusa. Peço-lhes que entendam que as lições estarão contidas nestes pequenos textos. Poderia ter feito em formato de tópicos, mas se não tiveres a capacidade — ou a vontade — de refletir minimamente diante de minhas palavras, não deves, pois, começar uma vida de estudos; esta não é para você. Entendam, também, a dificuldade de abordar temas como estes — que facilmente levariam horas de conversa — em tão poucas páginas.↩︎
Usá-las-ei durante todo o opúsculo (a analogia se apresenta como uma relação entre coisas diferentes, que permite aplicar um mesmo termo a elas, mas com diferentes graus de perfeição ou segundo certa atribuição a algo principal; distingue-se da univocidade, onde o termo se aplica com total identidade).↩︎
’Exercício’ vem do latim Exercitium, de Exercere, que pode ser entendido como ’exercer’ algo repetidas vezes. Tendo isto em vista, deves praticar, exercitar várias vezes, até que tenhas consolidado em tua mente.↩︎
Leia o livro ’Como Ler Livros’, de autoria do citado autor. Seja este o teu primeiro livro para começar os teus estudos.↩︎
Não te empolgues, nem tentes imitá-los [ainda]; apenas leia, leia no ócio da vida cotidiana — e não no ócio dos estudos —, apenas leia sem o objetivo de compreender profundamente: leia! À medida que crescemos em conhecimento e experiência, os clássicos nos falam de modo diferente, revelando-nos aspectos que antes não havíamos percebido.↩︎
Iremos dispor a vocês a trilha de livros. Mas, não contentes com isto, procurem a trilha: pesquise!↩︎
Meditatio: é a reflexão sobre o texto, buscando sua aplicação à nossa vida pessoal. Oratio: é a resposta ao texto em forma de oração, pedindo a Deus que nos ilumine e nos ajude a viver a Sua Palavra. Contemplatio: é o repouso na presença de Deus, deixando que a Sua Palavra transforme o nosso coração.↩︎
Tome cuidado para não ser corrompido pelo modernismo das novas obras. Não caia no erro dos ’ismos’.↩︎
Para melhor compreensão desta, leia o nosso Opúsculo de Gramática (Gramática é a arte diretiva da escrita segundo regras morfossintáticas cultas, para que o homem possa transmitir suas concepções e argumentações com ordem, com facilidade e sem erro a outros homens distantes no espaço ou no tempo: citação retirada do livro Suma Gramatical da Língua Portuguesa, de Carlos Nougué).↩︎
Dá-se o nome de "fonética" ao estudo dos sons de uma palavra. Recomendo o estudo do Alfabeto Fonético Internacional (IPA).↩︎
Tratarei melhor disto -dos tipos de discursos- no opúsculo de retórica.↩︎
A gramática não é propriamente a arte da fala (e nem da leitura, como muitos defendem, mas este não é assunto para este opúsculo), mas se me perguntares: qual o melhor caminho para bem falar (antes de adentrar na Oratória e obter Eloquência)? Eu responderia-te: escreva! A tua fala se aproxima assintoticamente da tua escrita.↩︎
Não entenda a persuasão como deves estar familiarizado com os livros modernos. Delegue à tua mente a tarefa de compreender a que me refiro durante o texto.↩︎
Lembre-se: a retórica é uma arte poderosa, que pode ser usada para o bem ou para o mal. Cabe a ti, orador, decidir como usá-la.↩︎
"É visível que há aí uma escala de credibilidade crescente: do possível subimos ao verossímil, deste para o provável e finalmente para o certo ou verdadeiro. As palavras mesmas usadas por Aristóteles para caracterizar os objetivos de cada discurso evidenciam essa gradação: há, portanto, entre os quatro discursos, menos uma diferença de natureza que de grau. Possibilidade, verossimilhança, probabilidade razoável e certeza apodíctica são, pois, os conceitos-chaves sobre os quais se erguem as quatro ciências respectivas: a Poética estuda os meios pelos quais o discurso poético abre à imaginação o reino do possível; a Retórica, os meios pelos quais o discurso retórico induz a vontade do ouvinte a admitir uma crença; a Dialética, aqueles pelos quais o discurso dialético averigua a razoabilidade das crenças admitidas, e, finalmente, a Lógica ou Analítica estuda os meios da demonstração apodíctica, ou certeza científica". (Cf. Olavo de Carvalho, Aristóteles em Nova Perspectiva. São Paulo, É Realizações, 2006, p. 37.). Longe do escopo deste Opúsculo discutir a validade ou invalidade da referida Teoria dos Quatro Discursos de Olavo de Carvalho, mas me vali deste texto para expor que a diferença entre a Dialética e a Lógica se dá pela diferença no grau de certeza, sendo a Lógica a que se encarrega da certeza (a dialética é a arte de alcançar a opinião mais provável, enquanto a lógica é a arte de alcançar a certeza: isso no sentido aristotélico).↩︎
a Aritmética (poder-se-ia dizer que a Arimética, hodiernamente, vai até o chamado "Cálculo I"; a partir deste ponto, o estudante já possui uma certa liberdade para estudar o que quiser na ciência do ens quantum), a primeira das artes do Quadrivium, te abre as portas para o mundo da ordem, da harmonia e da proporção (Cada número possui suas propriedades peculiares, suas características distintivas, que o tornam único e irrepetível. A paridade, por exemplo, é uma dessas propriedades: um número é par quando pode ser dividido por dois sem deixar resto; ímpar, quando deixa resto.). Através dela, poderás compreender melhor a beleza e a inteligência do Cosmo, bem como a tua própria natureza humana. Aprenda as operações: a soma, que junta quantidades; a subtração, que as separa; a multiplicação, que as repete; a divisão, que as reparte. Aprenda frações: as frações e as razões são como que pontes que ligam o mundo dos números inteiros ao mundo dos números não inteiros, ao mundo das quantidades contínuas; ensinam a lidar com as partes de um todo, com as proporções e as relações entre as grandezas.↩︎
Não confunda com as formas tratadas por Aristóteles e Platão. Também delegue à tua mente a tarefa de compreender a que me refiro pelo contexto.↩︎
Leia "Os Elementos", de Euclides. Os Elementos de Euclides são um modelo de ciência dedutiva, onde a partir de princípios primeiros, de verdades evidentes por si mesmas, se demonstram todas as demais verdades. É um monumento à razão humana, à capacidade do homem de compreender a ordem e a harmonia do universo.↩︎
Ouça, portanto, as belas músicas, as músicas clássicas, as eruditas.↩︎
Não era por nada que os gregos antigos nomeassem urânio o céu, e Urano, o deus que o personifica, sendo este o avô de Zeus. Urânio significa céu, mas céu como se visse de baixo; céu que se impõe, que paira acima de nós, que nos cobre e que nos circunda. É a partir desta contemplação, da experiência sensível, que a Astronomia, uma das artes liberais, tem seu início. Mas é preciso que vás além da mera experiência sensível e empregues todas as forças de tua inteligência para que possas compreender a ordem e a beleza do que contemplas.↩︎
Outra coisa que deves observar são os planetas. Estes não cingem-se ao caminho da eclíptica, mas se movem próximos a ela, ora acima, ora abaixo, ora à frente, ora atrás do Sol. Para reconhecê-los, atente-se a algumas características que os distinguem das estrelas: estas cintilam, os planetas não, e isso se dá porque refletem a luz do Sol. A cor dos planetas também os individualiza: Vênus, por exemplo, é branco; Marte, vermelho; Júpiter, amarelo; e Saturno, pálido. Mercúrio, por estar sempre muito próximo ao Sol, é de difícil observação a olho nu. De todo modo, o melhor guia para a identificação dos planetas será o seu mapa celeste, que indicará a posição de cada um deles a cada dia.↩︎
A Astrologia é, portanto, uma leitura simbólica do céu. Um símbolo, como vimos ao longo destas lições, é um signo ou uma imagem que, além de significar alguma coisa, faz-nos também sentir essa mesma coisa. Assim como em uma canção, onde as palavras não se limitam a informar, mas também nos fazem sentir as emoções que o músico queria exprimir. Em Astrologia, o céu noturno é como uma imensa sinfonia, cujas notas são os astros em seus movimentos e posições, e as melodias são os ciclos temporais que determinam, em parte, a vida na Terra.↩︎
Não me entendas errado. Chegaste até aqui, foste meu aluno durante esta leitura, aprendeste algo comigo — assim espero. Chamo-te, pois, de ’meu aluno’, não com soberba, mas como forma de agradecimento por teres ficado aqui, não comigo, mas com as minhas palavras, meus ensinamentos — dentro do que fui capaz de fazer. Alumnus pode ser interpretado de maneira poética como aquele que não possui luz; ou alitur, como aquele que é alimentado; ou ainda discipulus, aquele que discit, que aprende.↩︎
Perguntas o porquê do uso deste tempo verbal, e não do futuro? Respondo-te: Porque, ao ler, já estavas aplicando as artes liberais; ao compreender-me, já aplicavas cada uma das sete artes.↩︎
Entenda por ’solitude’, intencionalmente isolar-se para aproveitar os benefícios.↩︎
Para melhor entender as técnicas mnemônicas, leia o opúsculo intitulado ’Mnemônica’, disponível em nosso site.↩︎
A trilha disponível aqui é básica e precisa ser incrementada; pesquise! O ilustríssimo professor Nougué possui uma série de vídeos explicando a ordem das disciplinas. Uma boa parte dos livros que aparecem primeiro aqui requer um conhecimento prévio.↩︎